Grandes Sertões: Taubaté

É sabido que uma das mais nobres funções dos imperadores era a de dormir nas cidades por onde passavam. Assim fez Dom Pedro I em Taubaté, por uma única noite, em agosto de 1822, poucos dias antes de proclamar a Independência do Brasil. Modéstia à parte, eu estou em vantagem, pois, em duas passagens pela cidade, já somei sete noites dormidas. Verdade que não proclamei coisa alguma depois de sair de lá, mas é preciso que se diga que também não havia mais o que proclamar.

Um ano antes da vinda do imperador, o francês Arnaud Pallière desenhou um mapa da cidade. É a ele que recorro na tentativa de identificar a antiga Rua do Meio, onde meus ancestrais moravam nos anos 1700. Chamava-se assim porque, nos primórdios da povoação, eram apenas cinco as ruas, e uma delas havia, forçosamente, de ficar ao meio. É pouco provável que, com tão poucas ruas, os taubateanos daquele tempo se dedicassem a acalorados debates sobre mudanças de mão, como ocorre hoje em dia. Com o tempo surgiram novas ruas e a Rua do Meio, não ficando mais ao meio, teve seu nome alterado para Rua do Comércio. É um nome bem expressivo e revelador do que se deve esperar da rua, mas não é um nome que lisonjeie ninguém, de modo que foi preciso alterá-lo novamente, dessa vez para Duque de Caxias, que é como a rua é conhecida até hoje, embora, à boca pequena, seja a Rua das Noivas.

Nessa rua, minha não-sei-quanto-avó Catharina Garcia de Unhatte tinha “dois lanços de casa de taipa de pilão de telha”. Custo a acreditar que algum dia tenha existido algo assim, na Rua do Meio ou em outra parte de Taubaté. Não sei em que altura da rua ela morava, mas sei onde os seus restos mortais continuam morando: no Convento de Santa Clara, que é aonde se chega ao terminar de percorrer a rua.

Tentei de todos os modos ingressar no Convento, se é que vocês me entendem, mas as portas estavam fechadas. Resolvi fazer uma visita então ao cemitério logo ao lado, até para descobrir qual é a menina morta na flor da idade que se venera como santa em Taubaté, pois cada cidade deve ter a sua (chama-se Olga Guedes Tavares). Em frente ao Convento encontrei um busto em homenagem “ao inesquecível Josef Studenick, pioneiro industrial no Vale do Paraíba”, e que, não obstante essa inscrição, já está praticamente esquecido, a julgar pela quantidade de galhos de árvores que lhe cobrem a fronte.

Ao voltar para a parte mais central da cidade, descobri a Rua Bispo Rodovalho, coisa que me pareceu muito estranha, pois o Bispo Rodovalho continua bem vivo em Brasília e, além do mais, sequer existe uma igreja Sara Nossa Terra em Taubaté. De lá alcancei a igreja de São Francisco das Chagas, a primeira da cidade, cujo interior se destaca pela profusão de imagens e ventiladores. Vi, enternecido, muitas manifestações de fé, mas o diabo, que anda em derredor bramando como leão, soprou-me no ouvido que aquela era a terra em que o Verissimo botou uma velhinha que, de tão crédula, acreditava até no governo. Depois procurei uma tal de Bica do Bugre, pois quem bebe de sua água voltará um dia a Taubaté. Não encontrei, como o próprio Dom Pedro não deve ter encontrado, mas dou como cumprido o seu vaticínio.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 06/04/2015
Reeditado em 06/04/2015
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