LETARGIA
E eu ia andando por meio dos pés dele, no meio de todas aquelas outras pessoas, era ele quem eu queria, era aquele sorriso que fazia haver um espaço entre os meus pés e o próprio chão, mesmo não significando necessariamente que eu estaria subindo em direção á um tal céu ou á um tal norte. Aquele riso, mas que riso tão desgraçado capaz de despertar de dentro de mim todos os meus dragões, meus fantasmas mais sórdidos e assombrações, quando logo após isso ele conseguia me cortar mansa com uma facilidade jamais vista, era bem assim que funcionava desde então; afaga e apedreja, afaga e apedreja, afaga e apedreja; tinha me deixado virada em casca, oca por dentro, ele não atinava, não notava, não sentia, e não me amava. Só sabia me dizer que jamais daria certo, que não poderia viver ás avessas, sim, era esse o plano que ele me via batalhar em cima – uma vida toda do avesso, como uma bagunça que mesmo que você passe por cima mil vezes ela não vai se arrumar sozinha – quando na verdade eu estava apenas tentando organizar tudo desde o início, tentando fazer com que as coisas ficassem claras e duráveis. Ele não via nada, vivia uma vida toda inconsciente, pelo menos era o que parecia, não via o que tinha na palma das mãos, pois, que pessoa em sua sã consciência não notaria alguém que está pintando todas as cores ao seu redor, quase que implorando para ser notado, mesmo sem falar absolutamente nada? Porque você sabe – amor não se implora, e se você virar pro lado e fazer de conta que não me vê, eu peço a sua licença, eu me retiro da cena e ainda jogo na sua cara tudo aquilo que até agora você não viu, porque sentir vontade de compartilhar amor com quem mais desejou em uma vida não é errado, errado é se culpar pela letargia de quem não torna recíproco tudo aquilo que um dia foi feito pra ser sentido até mesmo por quem não admite sentir: o amor.