Conversando com Deus

CONVERSANDO COM DEUS

_Bom dia Deus, posso entrar pra levar dois dedos de prosa?,Afinal hoje é domingo, seu dia de folga! Disse o homem em dúvida.

_Pode entrar, meu filho e escolha uma nuvem para sentar bem cômodo. Sei que é meu dia de descanso, e confesso que estou cansando muito mais do que poderia imaginar. Não sei pra que inventei de inventar o mundo e todas as suas implicações. Foi muito trabalho, meu Deus do céu! Achei que na qualidade de Deus ia tirar de letra, que nada! Só não me arrependo porque vou ter com que brincar pelo resto de minha existência. Vocês, humanos são uma pândega. E ainda vai chegar o dia em que vão querer se igualar a mim. Vou assistir alguns homens querendo brincar de Deus, disse Ele zombando de nós.

_Também, meu pai, criar esse mundaréu de mundo em seis dias, não é brincadeira, não! Ainda mais que Você teve a brilhante idéia de esconder o petróleo, o diamante, safira, esmeralda e todas essas pedrinhas que nós adoramos. Misturar o sal com a água, só sendo idéia de Deus mesmo! Uma jogada de gênio! Você não imagina o trabalho que dá separar um do outro!

_É claro que sei! Fiz isso para vocês terem emprego garantido. Prestei muita atenção em cada item desenvolvido para escapar de criticas daninhas. Os bichos irracionais me deram um trabalho insano, pois queriam trocar o tipo de alimentação e algumas funções configuradas com muito zelo e cuidado especial.

_Como assim?

_Veja lá! A águia queria ser vegetariana pra poder ficar pastando perto do rio. Diz ela que tem medo de altura. Pura mentira, eu jamais cometeria um erro dessa magnitude. Tive que argumentar com a teimosa.

_Qual foi o argumento?

_Eu disse:_Minha filha, você é tão bonitinha voando aqui pertinho de mim. Já imaginou você, águia, comendo seu capim numa linda manhã de sol na beira do rio e aí vem, sorrateiramente, um imenso jacaré e “creu” . Agora em vez de ser o lindo pássaro que criei, você passou a ser o desjejum do réptil. Que tristeza!

_Ela aceitou? Perguntou boquiaberto o homem.

_Claro! Você já viu alguma águia pastando junto com bois, cabras, carneiros? Preste atenção ao que pergunta, senão vou dormir um pouco e deixar você falando sozinho.

_Agora Te peguei, Deus não dorme!

_Ih! É mesmo... Voltando ao vôo da águia, ainda fui obrigado a usar o grande facão divino para cortar os imensos rochedos, cavar fendas e grutas para abrigar minhas amigas teimosas Cortar serras e montanhas foi uma tarefa penosa. Tudo para agradar vocês humanos. Aventuras! Vocês adoram aventuras. Confesso que o Grand Canyon foi um erro de calculo. Não sei onde estava com a cabeça. Depois ainda tive que colocar um rio de águas frias para “safar a onça dos aventureiros”. Não posso deixar de dizer que com ou sem erro ficou lindo. É que no quinto dia estava muito cansado.

_E o elefante pediu alguma coisa extravagante?

_Claro! Todos pediram. O elefante pediu para voar. Já imaginou o tamanho das asas que eu teria que colocar nele? Teriam que ter, pelo menos, uns 40 metros de envergadura. E para recolher essas asinhas, como seria? Aumentei o corpo do mastodonte, e outra vez fui obrigado a duplicar a envergadura, depois o corpo novamente, até que desisti. Outra coisa, imagine ele, o elefante, a dois ou três mil metros de altitude, quando de repente lhe acomete uma disenteria. Não ia dar tempo de providenciar uma aterrissagem bem sucedida. Os pobres coitados que estivessem comendo seu capim, na maior tranqüilidade, como ficariam? Não! Dá certo não. Conforme-se em comer seu pasto, além do mais você não é nenhum “JUMBO”. Walt Disney nem existe ainda!!! Fui obrigado a comunicar-lhe que ele teria que ir mesmo amassar barro na África e Índia.

_E a galinha pediu alguma coisa?

_A galinha que é galinha mesmo, pediu para botar ovos menores. Fui obrigado a adverti-la explicando que ela não era codorna e sim galinha. Disse, dê seu jeito e faça exercícios próprios para postura. Se não fosse tão galinha teria escapado desta.

_Poderia dizer ainda que o burro solicitou o obsequio de não ser tão burro. Não pude atendê-lo. Vai continuar burro mesmo!

_A girafa queria o pescoço menor para ter chance de fugir do leão. No mínimo ela queria que o leão morresse de fome, tem graça? Creio que os animais ainda não sabiam que iriam viver sob o regime da lei da selva. A zebra solicitou fossem apagadas as listras de seu corpo. Minha querida, disse, você ainda vai participar de loterias e só tem graça com as listrinhas, alem do mais sem as listras você vai ficar parecendo o “jumento”, e isto você não é, entendeu? Você é zebra e vai continuar assim.

_Mas, meu Deus, com as listras fico parecendo detento, e isto não sou, pois nunca matei nem roubei ninguém. A única coisa que faço é comer capim.

_Ou aceita sua roupagem como está ou desaparece da face da terra, o que prefere?

_Fico de prisioneira mesmo, que fazer?

_Se fosse atender a todos os pedidos, precisaria de um século de criação. Os seres nunca estão satisfeitos com o que são, com o que têm, com a sua natureza e com seu conceito biológico, intelectual e emocional. Ser diferente parece ser o objetivo primeiro. Não entendo por que!

_Meu querido amigo e pai Deus, os homens e mulheres deram trabalho? Perguntou o representante da espécie.

_Ah! Este item foi uma encrenca das brabas... cada um queria ser melhor que o outro. Inventaram logo o tal do amor, e este elemento vem com o “kit” completo, ou seja, ciúme, disputa, direito de posse, precedência em qualquer situação e o mais importante: “PENSÃO ALIMENTICIA”. A mulher reclamava que tinha menos neurônios por mais que eu explicasse que era só uma questão estética.

_Questão estética relacionada com neurônios? Pode explicar, por favor!

_Simples. Fiz a mulher com traços delicados, adequados à sua estatura e a cabeça menor que a do homem. Não sei se errei na forma masculina, o fato é que ele saiu com um “cabeção” meio ridículo. Enfim, tinha que preencher os espaços vazios com alguma coisa e aproveitei os neurônios do estoque não usado e enchi a “cabecinha do homem” para ele ter a ilusão de ser mais inteligente. Para a mulher Isto não altera nada porque os neurônios femininos são muito mais potentes que o de vocês homens.

Por que fez a mulher tão bonita, delicada, com a pele macia, voz de sereia e um corpo tentador? Perguntou o incréu.

_Pra tentar vocês, meu filho. Se não, não ia ter graça, entendeu? Ao tempo em que criei a mulher, me vi obrigado a fazer brotar a macieira, com um fruto lindo, vermelho brilhante e de um sabor impar. Consultando o Papa Borgia ele me aconselhou a inventar o pecado e o capeta, meu primeiro e único inimigo. Mais inimigo de vocês que meu, concorda? A ele capeta, dei a forma de víbora, tendo que arrastar o ventre no chão, seco ou molhado, por toda a existência.

_Pra que tanta criação inusitada? Perguntou curioso o homem.

_Para expulsa-los do paraíso. Lá vocês não faziam nada. Tinha tudo na boquinha, prontinho para ser degustado, sem trabalho nenhum, uma vida insossa, sem nenhuma criatividade. Lembrei que havia negado a vocês a volúpia do pecado. Por isto a macieira e o pecado em forma de cobra. Vida sem pecado, não é vida. É igual a vegetar... Que graça tem viver sem infringir leis, sem ferir princípios morais, sem pecar? Afinal vocês são homens. Também está no “kit”. E o sexo como ficaria? Sem sabor, sem concupiscência, sem atrativo nenhum. Diria o cínico_ “sexo só papai e mamãe, com a luz apagada e embaixo dos lençóis”. Peraí, e os motéis não vão existir nunca? Uma cama redonda, meia luz, musica de elevador, banho quente em ofurô, uma dose de uísque, um cigarro bem fumado e os amassos. Este é o quadro completo do sexo. Como já foi dito, o gozo é o suborno da procriação. Pensei em tudo, meu amigo!

_E aí meu Deus, isto foi tudo o que criou e inventou? Perguntou alarmado com a franqueza de Deus.

_Não, meu caro, inventei também os vulcões, dilúvios, vendavais, tornados, terremotos, tsunames e a areia monazítica.

_Areia monazítica, aquela lazarenta? Tudo isto para lascar conosco lá embaixo? Que prazer maligno!

_È o ônus da vida, meu amigo, a senda da purificação, ou você acha que só os Ministérios podem cobrar impostos? O que acho engraçado em vocês é que todos querem vir para junto a mim, mas ninguém quer morrer! Como é que pode?

_Só isto?

_Não! Também criei a cólera, a repulsa, a intolerância, a inveja, as guerras e o sangue para encharcar o solo. Criei abismos e mares profundos. Não os deixei sem insetos e peçonhas. Não deixei de aquinhoá-los com o veneno da cobra e o da língua ferina do homem. Também doei praias paradisíacas, lagoas azuis, alimento em abundancia, o sal da terra, o bicho da seda, o sisal e o dom da música maviosa. Regalei a paixão, o carinho e a entrega. Não esqueci o enlevo e a sedução. Como premio de consolação criei o curandeiro de almas aflitas, o suplemento do perdão, a dádiva da compreensão e aceitação. Criei

“O TEMPO”.

Minha melhor criação.

Anchieta Antunes

Gravatá – 06/06/11.

Anchieta Antunes
Enviado por Anchieta Antunes em 04/04/2015
Código do texto: T5194663
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