SONHOS CASTRADOS

CHAMAVA-SE PITECO, ERA UM MOLEQUINHO MULATO, CABELOS CACHEADOS, TEINHA APROXIMADADAMENTE OITO ANOS DE IDADE, SE NÃO FOSSE A APARÊNCIA MALTRATADA EU DIRIA QUE ERA UM BELO MENINO, POIS PARECIA UM ANJO BARROCO BRONZEADO.

CERTO DIA PELA MANHA, DEPAREI COM UMA CENA DÍGNA DE SER ETERNIZADA NUMA TELA DE UM GRANDE PINTOR:

O PITECO ESTAVA SENTADO NA CALCADA EM FRENTE A UMA LANCHONETE ESPERANDO QUE ALGUÉM LHE DESSE UM POUCO DE COMIDA. ENQUANTO ISSO NÃO ACONTECIA, PITECO COM O OLHAR PERDIDO NO HORIZONTE ACARICIAVA DISTRAIDAMENTE A CABEÇA DE UM VIRA-LATA, UM MOMENTO RARO DE CARINHO. O FATO MAIS INTRIGANTE ERA A EXPRESSÃO DO OLHAR DE AMBOS, PARECIAM SONHAR COM UM MUNDO TÃO DISTANTE DAQUELA CRUEL REALIDADE. VI TANTA TERNURA NAQUELE MOMENTO QUE A MINHA VISÃO POÉTICA VIAJOU NO OLHAR DO PITECO, E EU SONHEI JUNTO COM ELE.

NOS MEUS SONHOS VI O PITECO NUM LAR FELIZ, SENDO ACORDADO COM UM BEIJO DA MÃE; VI O PAI DO PITECO COM A MARMITA NA MÃO ACENANDO PARA ELE; VI O PITECO BRINCADO NO JARDIM COM O CACHORRO ATÉ CHEGAR A HORA DE IR PARA A ESCOLA. TUDO ESTAVA TÃO PERFEITO ATÉ EU LEVAR UM SAFANÃO DA REALIDADE, UM TRANSEUNTE CHUTOU COM UMA BRUTALIDADE ABSURDA A COSTELA DO CACHORRO QUE SAIU GRITANDO RUA ABAIXO, O PITCO LEVANTOU-SE E RALHOU UM ENORME PALAVRÃO, PEGOU O TUBO DE COLA, UMA PEDAÇO DE PAU E FOI PARA PRAÇA JUNTAR-SE AOS COMPANHEIROS DO MESMO DESTINO. PASSAVAM O DIA ALÍ, FAZIAM PEQUENOS FURTOS, BRINCAVAM DE ASSALTAR BANCOS E CHEIRAVAM COLA PARA ESQUECER SUAS DORES.

PITECO AFEIÇOU-SE A MIM, PORQUE ÀS VEZES QUANDO EU O ENCONTRAVA NA HORA DO ALMOÇO, LHE PAGAVA UM LANCHE E CONVERSAVA UMA POUCO COM ELE.

O TEMPO PASSOU, NUMA FESTA DE SÃO JOÃO ENCONTREI O PITECO, JÁ RAPAZINHO,NÃO CRESCERA, MAS ERA UM RAPAZ FORTE, ENTROCADO, TRAZIA UM ENORME CORDÃO DOURADO PENDURADO NO PESCOÇO, ESTAVA BEM VESTIDO DENTRO DE UMA ROUPA ESTRAVAGANTE E COLORIDA, CALÇAVA UM TÊNIS DE MAURICINHO, PARECIA ESTÁ MUITO BEM, SE NÃO FOSSE O CIGARRO DE MACONHA QUE FUMAVA, SEM NENHUM PUDOR E A FACA EMBAINHADA QUE ESTAVA NUM DOS BOLSOS DA CALÇA, VINHA DANÇANDO E DEBOCHANDO DAS PESSOAS. COM ELE ESTAVA UMA GALERA DE APROXIMADAMENTE DEZ JOVENS DA MESMA IDADE. NÃO FALOU COMIGO, SE ME RECONHECEU FÊZ POUCO CASO. NÃO SEI QUAL FOI O SEU DESTINO.

MAS AQUELE OLHAR DISTANTE,SONHADOR, DE CRIANÇA AINDA PURA NÃO ME SAIU DA MEMÓRIA. INFELIZMENTE PITECO TEVE O SONHO DE CIDADÃO DE BEM CASTRADO POR UMA SOCIEDADE INJUSTA E POLITICAMENTE MAL ORGANIZADA. EU ME SENTI IMPOTENTE DIANTE DA SITUAÇÃO, POIS TAMBÉM FAZIA PARTE DAQUELA SOCIEDADE, MAS NAQUELE MOMENTO EU ERA APENAS UMA ASSALARIADA O QUE EU PODIA FAZER? A NÃO SER SONHAR E ACREDITAR NUM MUNDO MELHOR, MAIS DÍGNO, ONDE HOUVESSE JUSTIÇA PARA OS POBRES E OPRIMIDOS?

jambo
Enviado por jambo em 08/06/2007
Reeditado em 10/06/2007
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