ACONTECEU EM JERUSALÉM
... No meio do caminho, no instante que o Justo caía no chão, vergado pelo peso da cruz e pelo cansaço, e era socorrido por uma mulher que lhe deu um gole d'água e limpou seu rosto ensanguentado com uma uma toalha, o soldado começou a refletir. Pensava: "Será correto o que estamos fazendo? E aduzia: "E se esse homem que ora torturamos for inocente? E se o que Ele pregava for verdade?". Mas logo buscou uma desculpa: "Mas eu não tenho nada com isso, sou apenas um soldado, cumpro ordens, não tenho que ter dramas de consciência". E foi adiante nas divagações: "Ora, se um dos apóstolos o vendeu por trinta dinheiros, se os sacerdotes o condenaram achando correto optar por libertar um ladrão, como quis Pilatos que lavou as mãos, por que eu teria que me preocupar com o drama deste condenado?". Ajudou brutalmente a levantar o prisioneiro, deu algumas chicotadas nos populares e seguiu com os companheiros levando o Justo para o local da execução.
O que mais o intrigava era o fato do prisioneiro não se queixar. Pelo contrário: apesar do sofrimento, das dores, do cansaço, do peso da cruz, aquele Homem denotava paz, o seu olhar transmitia compreensão pelos que o nmaltratavam. Era como se Ele estivesse perdoando-os. E esse olhar sereno perturbava-o bastante, preferia evitá-lo. Essa sensaação de culpa dava-lhe um misto dde medo e raiva. Medo dos castigos no outro plano de vida; e raiva porque um soldado não podia ser susceptível a esse tipo de questionamento moral. Um soldado, prendera, não podia pensar no que é certo ou errado, muito menos no que é ou não moral. O soldado tinha apenas que cumprir ordens superiores, pensou. Mas naquele caso uma dúvida repentina instalou-se na sua mente: "Será que no outro plano de vida eu serei perdoado por estar cumprindo ordens amorais? Será que lá os códigos militares valem algima coisa?".
Mas não obstante as dúvidas, ele seguia o seu caminho. Agora já estavam acompanhados por uma grande multidão, a maioria composta por pessoas que haviam condenado o prisioneiro. Talvez as mesmas preocupações do soldado fossem às da multidão. Havia também vários partidários do prisioneiro que seguiam o cortejo.
Quando chegaram ao lugar da execução já estavam lá, sendo crucificados, dois ladrões. O prisioneiroiria ser executado no meio deles dois. O soldado tentou esconder-se por detrás dos companjheiros para não ser escolhido para integrar o grupo que iria realizar a execução. O capitão da guarda, porém, chamou-o e incubiu-o dessa tarefas como prêmio pelos serviços prestados. O soldado diante da ordem não teve dúvidas: rasgou o que restava da tunica do prisioneiro e junto com outros soldados deitou-o na cruz e amarraou-lhe as mãos. Em seguida pregou com uma marreta alguns pregos grandes e colocando um deles na mão direita do prisioneiro vibrou a marreta sem dó. O golpe deve ter atingido alguma artéria pois o sangue salpicou em abundância. O mesmo ocorreu com a outra mão e os pés. O prisioneiro sofria dores lancinantes mas não demonstrava nenhum ódio pelos seus algozes. Quando levantaram a cruz e colocaram uma coroa de espinhos na sua cabeça, o soldado o olhou nos olhos e neles viu apenas perdão e ainda conseguiu ouvir uma frase: "Pai, perdoa, eles não sabem o que fazem!".
Aquilo perturbou muito o soldado. Por que Ele me perdoou? Ora, eu apenas cumpri o meu dever, pensou. Ficou olhando o condenado se esvair em sangue junto com os outros dois crucificados. No exato momento em que Ele pendeu a cabeça, o soldado sabia que Ele morrera. E nesse instante o céu escureceu, os trovões começaram a ecoar e uma tempestade eclodiu. O soldado assustou-se e como havia participado da crucificação, foi liberado pelo capitão da guarda. Fugiu dali depressa, mas crente que havia cumprido o seu dever, afinal tinha que sobreviver, aquele era o seu emprego.
Já no caminho da cideade, com manchas de sangue do Justo na sua roupa, ele ria o riso dos omissos, certo que sendo um excelente pau-mandado iria ganhar uma promoção, principalmente porque havia sido um dos que haviam crucificado Jesus Cristo. Ele era mais um dos que, desde o começo dos séculos, são o braço armado dos poderosos, a mão dos covardes e o carrasco dos fascistas. O soldado ainda cinicamente pensou: "Tudo o que fiz foi por amor à Jerusalém e a Roma, eu sou apenas um soldado e tenho que sobreviver!".