O que é ser contemporâneo?

Definir um indivíduo, diante do que ele é e de suas ações, nos permite percorrer por uma longa jornada cheia de obstáculos. Cada um é predestinado a fazer o que lhe é devido como ser humano e como alguém perante suas obrigações. O que nos dá a dificuldade de saber até que ponto nós temos obrigações são as relações interpessoais e intersocial que se desenvolvem como o passar do tempo, afinidades que resultam na evoluem e resultam dependendo das ações tomadas. Logo, em termos culturais e também sociais, como nos tornamos contemporâneos? E de quem o somos? São essas as perguntas que podemos nos apegar para estarmos à altura dos nossos êxitos.
Achar uma resposta que defina o que é contemporâneo é se apegar ao que está relacionado a este termo a temporariedade das coisas. Ou seja, é definir em que ponto crucial nós deixamos certas coisas com um sentido arcaico para aprimorar o que já temos ou para conseguirmos algo novo, nunca visto, lido ou usado, mas algo que seja absolutamente diferente. Como diria Nietzsche em Considerações intempestivas, em que debate sobre a contemporaneidade como algo de nossa atualidade, em que devemos fugir do anacronismo e de certo deslocamentos – mesmo sem algum tipo de uso dele – para que possamos entender o tempo em que vivemos e para pensar, falar e escrever como modo e processo de conhecimento. É um tipo de ideia sobre distância entre tempo e a realidade, entre dissociação e anacronismo, entre sincronia e diacronia. Assim, podemos apreender como a relação singular com o próprio tempo e perceber as diferenças entre o que singular e a pluralidade das coisas como meio de exteriorizar o presente.
No Brasil, há 30 anos acabava uma longa ditadura, que durara um pouco mais de duas décadas. Na época, o que se discutia mais era a diferença entre cultura erudita e popular como meio de estabelecer ou tentar entender a divisão de classe no Brasil. Embora houvesse essa discussão, havia uma crescente necessidade de interação popular por meio da cultura e o que resultou disso foi o surgimento de uma nova classe (baixa) que se apareceu com mais frequência no cenário nacional e este foi, mesmo com o golpe de 64 e com a censura imposta em 68 com o A.I. 5, cresceu culturalmente com os artistas – alguns deles ainda universitários – escrevendo textos de caráter mais, de discurso e de luta. Foi assim que o cenário cultural brasileiro foi se aprimorando, fato que fez surgir o Tropicalismo – com Caetano e Gil – e o Cinema Novo – com Glauber Rocha, e o que se pode ver nesse novo cenário é a interseção entre linguagens (cinema, literatura, artes, teatro, etc.). Esse processo de censura ocorreu como um processo de convergência que permite escolher quais conteúdos poderiam circular nos sistemas midiáticos da época e isso acabava contribuindo direta ou indiretamente na formação da fronteira entre o mercado consumidor e quem fazia produção artística – mídia que, em pleno século XXI, ainda consegue afetar de algum modo a subjetividade do outro.
Pensar no tempo em que se vive, distingui-lo e modifica-lo de algum modo é pensar em um processo de modernização, cuja relação com o que era moderno e modernidade se tentava saber para se compreender a produção artística brasileira da época. Entender como agiam os artistas da época é buscar um panorama sobre o que eles pensavam sobre a situação política e econômica em que o Brasil passava na época. Todos os empasses sofridos na época da ditadura foram sentidos em diversos setores sociais, além do artístico. Levar os fatos à tona e discuti-los foi se tornando cada vez mais difícil com a censura imposta que proibia algumas atividades políticas e artísticas. A ruptura de fronteiras sociais e política foi acontecendo com algum tipo de dificuldade, mas tentava-se ao menos não tem exteriorizar o Brasil como um país exótico, mas assolado pela fome. Tentava-se acabar com esse paradoxo de que o país tinha sua beleza natural, mas que era assolado pela fome – como pode ser lido em A estética da forme, de Glauber Rocha.
Embora houvesse essa contradição, é assegurado fazer com que o Brasil acabasse com a ruptura entre o que era nacional e o que vinha das vanguardas europeias. Era um processo através do qual se tentava conseguir progresso no que se fazia no cenário cultural brasileiro. Definir-se como dentro desse processo era fazer com que se alavancasse o início para o surgimento de uma potência não somente culturalmente, como também dentro do quadro socioeconômico. Daí, começaram a surgir pensamentos mais novos para a arte e a cultura (talvez até contemporâneos à época) e o Brasil foi se globalizando, processo que ocorreu em três dinâmicas: multiplicação dos processos de descentramento; democratização do acesso à cultura e ao saber; e um tipo de contestação – ideias contrárias que recusam o moderno.
Como nos definir contemporâneos dentro desse processo? Passa talvez a ser uma questão de subjetividade. Além do mais, é contemporâneo alguém que está para além da moda atual ou alguém que consegue olhar além de si e do outro – uma alteridade útil a todos. Exteriorizar o presente permite ver os tempos nas trevas, tirar dessas trevas o que ninguém mais pode ver, interpretar e/ou ensinar aos outros. A mudança no condicionamento socioeconômico e cultural nos permite apreender melhor sobre o que estar por vir em nossas relações interpessoais: o que hoje é fato, amanhã pode ser arké.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ricardo Miranda Filho
Enviado por Ricardo Miranda Filho em 01/04/2015
Reeditado em 29/05/2015
Código do texto: T5191474
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