BONS DIAS, DOUTOR

O empregado entra entusiasmado na sala do chefe: Bons dias, dr. Sófocles. Com licença. Sempre admirei seu nome. Um grande herói grego. Bem escolhido, aliás; diz bem de seu caráter e seu espírito empreendedor.

– Detesto meu nome. Cada vez que o pronunciam, me dá ganas...E Sófocles não foi nenhum herói, foi um dramaturgo, autor de tragédias.

– Tragédias? É isso mesmo. Mas não me fale de tragédias, doutor. Vamos falar de coisas alegres. Por exemplo, quem são estas belas crianças no retrato sobre sua mesa? Seus filhos, aposto. Já dá de ver...o mesmo olhar firme e resoluto. A mesma expressão de confiança. Ah, os filhos.

– Não, são fotos que tirei para uma exposição de fotografias. Aliás, saiba que não posso ter filhos. Esse é um assunto que me aborrece.

– Evidente, evidente, doutor. Não se fala mais nisso. E este lindo quadro na parede? Aposto que é um Picasso. Uma pessoa de bom gosto como o senhor...

– Que Picasso, qual nada. É uma pintura de minha mulher. Está iniciando as aulas de pintura.

– Mas é extraordinário. Que talento! Meu sonho sempre foi ser um pintor. Ah, como gostaria de sê-lo.

– Selo? O senhor, seu Praxedes, falou em selo? Essa é minha paixão. Também é colecionador?

– É, assim...assim (que dizer, meu Deus?).

– O senhor precisa ver minha coleção (abrindo a gaveta). Veja só esse exemplar, acabei de adquirir. Vale uma fábula.

– Colecionar selo. Ah, doutor, foi sempre meu sonho. Mas sabe como é... Falando nisso, doutor, só uma coisinha: estou precisando de um valezinho para o fim de semana. Doença na família, senão não ia incomodá-lo.

Meia hora depois, o empregado pega o telefone: oi gatinha! Nosso passeio à praia está garantido. Foi duro, mas consegui que aquele velho zureta, broxa e paranóico abrisse a mão.

Hilton Gorresen
Enviado por Hilton Gorresen em 08/06/2007
Código do texto: T519054
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