Lâmina Afiada...

Imóvel! Pendurada sem tecer nenhum movimento! A folha esbarra no rosto do passante! Nervuras ressecadas a envolvem e a mumificam num tempo em que tudo transpassa a barreira supersônica! Criatura e criador se misturam naquela imobilidade distante dos céus e da terra.

A sonoridade da manhã filtra no canto das aves um alegre despojamento franciscano. O som das passadas arrotando pedrinhas num pisotear de mata-borrão sugando os respingos orvalhados do mato teimoso em seu viver pelos buracos das pedras! A melodia regurgita poesias em suas notas no tamborilar dos dedos, no marfim amarelado do piano, afinal de contas, as teclas envelheceram junto com o “Maestro” numa destas esquinas malfadadas do tempo!

Aquela folha flutuando o faz sentir como se estivesse dando o seu pescoço para ser decapitado pela lâmina crível da guilhotina, sem ser rei, ou, revolucionário francês! Tudo passa e repassa na sua memória sem se dar conta da sua longevidade. Três meses, três, treze, vinte e três, trinta e três anos... o pescoço sempre a espera da lâmina... sempre a espera da morte!

A mancha de sangue na sua blusa revela o rosto do crucificado!? Farsa pregada pelo cérebro. Ilusão! A espera do milagre a sua vida feito massa de pão de ló mistura os sentires! Segunda- feira da semana, dita santa pelos crentes, um fio de esperança ilumina seu rosto, o riso marca seus lábios, a alegria não o abandona!

Vide, o rufianismo imposto por sua chaga aberta no peito, vez, ou, outra, o assusta, incomoda, martiriza... Rufiã, doentia..., cobra um alto preço pelo corpo do seu pretendido! Amante? Nunca! Morre sem ir à cama com ela, num desenovelar de virtudes ainda bem vivas no seu inconsciente!

Amanhece!

O pangaré relincha a fome das entranhas, marcha lenta, esquecido num canto do matagal alto, amarrado pelo dono cruel, vai lamber empurrando a sua língua até aonde ela alcançar as touceiras de gramíneas, depois, não sabe o que lhe espera! Matinta-pereira, alerta, percebe a morte próxima ao seu ninho, e, num canto fúnebre explora o ar volteando os seus intermináveis; sem fim, sem fim, sem fim...

A folha não está mais pendurada no vazio! A brisa do outono a levou para outros ares, outros lugares, outros viveres!

Uma bandeira fincada no meio do terreno trêmula suas rubras cores num anuncio carregado de movimento, roçando entre as pernas dos homens a sua sensualidade. Fogo e fumaça rivalizam na busca de atenção, magia, afinal, o circo chegou à cidade!

Anoitece!