Pauliceia desvairada
“Só se vê prédio e casa. De natureza mesmo, só tem as nuvens. E aquelas montanhazinhas”. Assim observou a adolescente sentada à minha frente enquanto nos preparávamos para pousar em São Paulo. Sem dúvida ela achou que seria uma condescendência muito grande incluir o rio Tietê, também visível ali de cima, entre as obras da natureza na capital paulista. Cheguei até mesmo a ouvir uma conversa questionando se era realmente água aquele negócio preto que enxergávamos lá embaixo. A adolescente reparou ainda na poluição. Fez questão de mostrar a névoa escura para sua amiga. Esta, limitou-se a responder: “Tenso, véi!”.
Eu chegava a São Paulo de passagem, pois pretendia seguir até o Tietê – o terminal, não o rio – e lá pegar um ônibus que me levasse até Taubaté, onde tenho um pai. Achei que fosse coisa simples ir de Congonhas para lá, mas a verdade é que não há nenhuma ligação via metrô. Animei-me a pegar um ônibus, e é preciso que se diga o que acontece em São Paulo aos recém-chegados que decidem pegar um ônibus. O primeiro desafio consiste em encontrar a parada, pois não existe um abrigo e nem uma placa indicando que se trata de uma parada. Para descobrir o local exato, é preciso ir até a Avenida Washington Luís – dou essa de lambuja: fica na Avenida Washington Luís – e identificar onde há uma maior concentração de pessoas se espremendo na calçada. Quando encontrei o lugar, deixei-me ficar encostado à parede de um comércio, para não atrapalhar a movimentação dos pedestres. Dali a pouco vieram me pedir uma licencinha, pois estavam pintando a parede. Coisas que acontecem a quem decide pegar ônibus.
Apareceu, pois, um ônibus e eu reparei que havia no itinerário o nome de uma estação de metrô, o que me fez subir e relaxar: mais cedo ou mais tarde ele chegaria a alguma estação. Mas o tempo foi passando, passando, o ônibus foi entrando por umas ruas estranhas, e nada de aparecer uma estação. Até que o ônibus estacou e o motorista anunciou, solenemente, que aquele era o ponto final. Tivemos que descer ali, eu e outros perdidos, o que fez diminuir um pouco a minha vergonha. Indicaram-nos outro ponto, e dessa vez eu peguei um ônibus em que estava escrito bem grandão “Metrô Jabaquara”. Perguntei ao cobrador quanto tempo levaria até lá. “Mais ou menos uma hora”, ele disse. Quase perguntei se era no fuso daqui ou no de lá.
Há um tempo para tudo, ensina o Eclesiastes, até mesmo para se chegar ao Metrô Jabaquara. De modo que cheguei lá e fui comprar um bilhete para o metrô. Encontrei uma fila tão grande que fui tomado por uma repentina saudade da roça. Comecei a questionar a minha decisão de viajar e murmurei palavras duras contra a cidade grande, e o que menos disse foi que aquilo era uma loucura. Mas comprei o bilhete, e com ele fiz outra viagem. Só fui chegar ao Tietê às quatro horas da tarde, morrendo de fome. Fui então a uma lanchonete e decidi pedir um prato completo. O atendente olhou-me com espanto e avisou: “Refeições, só a partir das cinco”. Dei então um daqueles suspiros como os da Hortência antes de arremessar a bola. E desejei ardentemente que o Vale do Paraíba ainda fosse conhecido como os sertões de Taubaté.