A marmita e a corrupção
Aos poucos vai se tornando mais comum a ideia de que, para protestar contra a corrupção, é preciso, pelo menos, não praticá-la nos pequenos gestos do dia a dia. É uma noção acertada se lembrarmos que ninguém nasce político e que, se alguém se deixa corromper na atividade, é certamente porque já não tinha padrões muitos rígidos de moralidade. Não duvidando dessa verdade, gostaria, mesmo assim, de apresentar o dilema da marmita.
Existe, sobretudo nas grandes cidades, uma infinidade de pessoas que trabalham vendendo marmitas nas ruas. Não é uma atividade legalizada, não segue nenhuma norma e ainda prejudica os restaurantes oficialmente instalados. De modo que comprar uma marmita, nessas condições, é moralmente um erro, quando não um crime. Acontece, no entanto, que essas marmitas custam pouco mais de R$ 5 e não é raro que venham com mais de um quilo de comida – muito saborosa, diga-se de passagem. Por outro lado, os restaurantes dessas cidades cobram até R$ 40 pelo quilo da comida. Neles se come, no máximo, 300 ou 400 gramas de uma comida que, invariavelmente, nem é tão boa assim.
Ora, durante uma fase difícil da minha vida financeira, foi preciso economizar dinheiro, do contrário não chegaria até o final do mês. Eis que se apresenta o dilema: deveria eu cumprir a lei e almoçar nos restaurantes regularizados, mesmo sabendo que gastaria mais e que depois iria me faltar dinheiro, ou deveria ceder à oferta dos marmiteiros, sustentar uma atividade ilegal, mas almoçar melhor, pagar menos, e ainda colocar minhas finanças em dia?
Não tive dúvidas e por vários dias fiz de uma marmita clandestina o meu almoço. Se cumprisse a lei, acabaria não almoçando. Estou convencido de que muitas pessoas morreriam de fome se cumprissem a lei. Seria então a lei errada? Não. Já diria o apóstolo Paulo, a lei é boa, santa e justa. É preciso, no entanto, que se tenha condições de cumpri-la. Há casos – não todos – em que a corrupção do dia a dia é antes um problema econômico do que moral.