HÁ LIMITE

Cecília Meireles aprendeu as relações entre o efêmero e o eterno, por consequência das precoces e grandes perdas que suportou na vida familiar. Palavras por ela proferidas e acrescidas da seguinte afirmativa: “[...] não me esforcei por ganhar e nem me espantei em perder”.

Obviamente, penso eu, perdas tão significativas com rapidez inimaginável no decorrer da vida, realmente não lhe deram chance de avaliá-las de forma diferente. O pai morreu três meses antes de seu nascimento e a mãe, quando Cecília estava com três anos de idade. Outras mortes de familiares próximos levaram-na, desde pequena, a ter certa intimidade com a morte.

Esta visão de naturalidade diante de fatos graves, digamos assim, faz-me lembrar de que Clarice Lispector mostra um “espírito nômade” em sua obra, espírito este que se confunde com sua história pessoal. Revela-se indicando diversas direções em sua escrita. “É com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor da separação, mas é grito de felicidade diabólica. [...] Macabéa morreu (...) ela estava enfim livre de si e de nós [...] agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. [...] Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos. Sim”.

Haveria necessidade de aprofundamento nas obras das duas escritoras citadas, mas elas me ocorreram, porque comprovam, grosso modo, algumas experiências de vida que venho tendo. Seria, talvez, um caso de mise en abyme, termo que o escritor francês, André Gide, utilizou para falar de narrativas que contêm em seu bojo outras narrativas. Em outras palavras, o termo que em francês é traduzido como “narrativa em abismo”, na literatura é utilizado para mostrar narrativas que se encaixam umas nas outras.

Há determinados acontecimentos que, a priori, afiguram-se como problemas eternos.

As equações matemáticas, por exemplo, foram meu martírio escolar. Carrego-as em péssimas memórias. Aos outros, elas pareciam de tão fácil resolução e para mim transformavam-se em imaginadas barreiras intransponíveis. Eu explorava todas as tentativas que me eram possíveis em luta sem trégua, para resolvê-las. Todavia, da batalha não fugia, enquanto não a vencesse e pudesse alcançar a solução do problema.

Hoje, os cálculos de que necessito já não são muitos e não os valorizo tanto, pois percebi que pouco afetam minha vida e não me fazem falta. São praticamente dispensáveis, sob meu ponto de vista.

Desta forma, descubro que os problemas parecem intransponíveis, quando os valorizamos demasiadamente e que se tornam pequenos, a ponto de não haver necessidade de tentar resolvê-los. São insignificantes.

Insistir na compreensão de fatos que por si já estão explicados e solucionados, seria voltar à matemática sofrida da infância e a vida já me mostrou que tudo tem limite.

Da estação em que me encontro muitos já partiram e os que preferem seguir outros caminhos não serão impedidos. Conforme Clarice e Cecília, esses acontecimentos vão ficando corriqueiros e deixam de causar sofrimentos. Tudo passa a ser nômade. “E por enquanto é tempo de morangos. Sim.”

02:14

28.03.2015

Dalva Molina Mansano
Enviado por Dalva Molina Mansano em 29/03/2015
Reeditado em 29/03/2015
Código do texto: T5187133
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