Teus olhos e teus olhares
Ele me olhou. Olhei de volta. No começo era só um olhar. Não o sustentamos por muito tempo. Desviei meus olhos dos dele assim que percebi tudo o que poderia existir entre nós. Eu não sei explicar, é meio estranho tentar descrever assim. Mas eu soube desde aquele instante em que nossos olhos se cruzaram tímidos pela primeira vez. E pelas outras vezes que se seguiram depois. Eu soube que poderia existir muito mais do que apenas olhos que se olham a distancia. Havia algo que não era distante. Havia uma aproximação querendo brotar da força daquele olhar.
E eu não queria e não podia. Eu tinha uma vida para além da curiosidade dos meus olhos e eu não podia estragar tudo. Não podia ceder aquele sentimento intruso que estava querendo brotar em meu coração, sem ser convidado ou permitido. Como pessoas que entram sem serem convidadas em uma festa. Mas aquele sentimento era a própria festa e me fazia sorrir sozinha e abobalhada a noite, antes de adormecer, pensando naqueles olhos e aqueles olhares, que pareciam tão meus... enquanto ao meu lado, na cama, era outra a pessoa que dormia a mesma realidade que a minha. Nem tão mesma assim, mas enfim. Era com ele que dividia minha vida e todo peso que isso implicava em meu coração. Eu não podia ser inconsequente nem muito menos injusta conosco. Então eu adormecia, mas o que devia ser culpa, era qualquer outra coisa doce e colorida em meu coração. Uma coisa que eu gostava de sentir. E sentia. Independente de tudo o que eu não deveria ou poderia, eu sentia e isso eu não tinha como negar. Não de mim.
Ainda não havíamos trocado palavra, mas em minha imaginação já sabíamos de cór e salteado um sobre a vida do outro. Já tínhamos nos beijado, nos abraçado, chorado juntos, trocado os carinhos mais íntimos e as confidências mais secretas. Já tínhamos até viajado juntos e voltado correndo um pros braços do outro depois de uma briga feia ou por uma bobagem qualquer. Na minha imaginação já tinha sido toda dele e eu sabia, quando ele me olhava daquele jeito silencioso dele, que ele também já tinha sido meu. Às vezes, muitas vezes!, eu imaginava como seria o dia que ele criasse coragem e chegasse pra falar comigo. E eu ruborizava e ele não sabia bem como continuar a conversa. Então ficaríamos em silêncio por alguns instantes, nos sentindo completos idiotas, até que ele dissesse qualquer coisa sem sentido, só para não deixar escapar a coragem. E eu daria uma risadinha tímida e soltaria qualquer palavra monossilábica, quando, na verdade, meu coração ansiava por monologar por horas tendo os olhos e os ouvidos, e o corpo e a atenção dele, todos para mim. Ele todo só para mim.
Então eu voltava a realidade e o espiava de canto lá da outra ponta da sala e ele estava me olhando daquele mesmo jeito. E eu sabia que, em sua imaginação, ele estava monologando só para mim. E eu tornava a olhar para os meus cadernos e internamente eu sorria o maior e mais sincero de todos os sorrisos do mundo.