Seu Cândido e Os Mutantes

Creio que já lhes apresentei Seu Cândido. Ele é casado há 40 anos com Dona Inocência. Seu Cândido leva uma vidinha tranqüila, em Rio Grande, com seu salário de aposentado que não pára de aumentar... Freqüenta o SUS, almoça nos fins de semana na casa da irmã (frango assado de máquina), adora os calouros do Raul Gil e está sempre dizendo que a vida é boa.

Como já contei, a filha Daiana mora em Novo Hamburgo, pois o marido tem ali uma pequena banca de artigos importados.

Já que os negócios de Daiana vão bem, pois a Polícia Federal dá uma trégua até a chegada do Natal, ela convidou os pais para passar o fim de semana com eles e levar a neta Fernanda no show dos Mutantes em Porto Alegre, no Teatro do Sesi.

Ao meio dia almoçaram no Restaurante Viess, no centro da cidade, que serve um rodízio de bifes. Seu Cândido adorou. Os garçons nem deixavam a família conversar de tanta fartura: era bife com mostarda, era bife com cebola, era bife com mingau (chamado quatro queijos, mas era mesmo mingau) e até bife com chocolate derretido, que Seu Cândido achou o máximo da finura. Rico inventa cada coisa, pensou. A filha ficou reclamando de tudo, do azeite “Do Lagar” (que é o mesmo que Se Cândido usa em casa – “de última”, ela falou), da dureza dos bifes (estavam duríssimos mesmo, mas Seu Cândido nem se importou, acostumado que está com a dureza) e do atropelamento dos garçons. Cheia de partes a menina estava ficando. Na saída, ela reclamou para o dono que a casa anunciava 40 tipos de molho e apresentaram só uns 10. Dona Inocência quase morreu de vergonha.

À noite foi levado ao Teatro do Sesi, em Porto Alegre, pelo genro, para acompanhar a neta no show dos Mutantes. Ficou deslumbrado com a casa. Coisa mais linda, não parava de exclamar. Nem percebia que os jovens o olhavam de soslaio e cochichavam à sua passagem, estranhando a sua presença no show. Seu Cândido já ouvira falar nos Mutantes, pois em sua juventude eles apareciam nos festivais na televisão e se lembrava que a Rita Lee fazia parte do grupo.

No começo do show, Seu Cândido ficou deslumbrado com a decoração do palco, quando abriram as cortinas. Gigantescos panos desenhados com borboletas pendiam do alto, num efeito de tirar o fôlego. Em seguida entrou a banda. Rita Lee não era mais loira e sim morena e com um queixo proeminente (ninguém lhe disse que Zélia Duncan estava de substituta).

Foi a última imagem que viu direito, não que tenha desmaiado ou perdido os óculos, mas é que um grupo de meninas estava com vontade de dançar, ao invés de apreciar o espetáculo, e se postou em frente da primeira fila do teatro, fazendo com que as pessoas daquela fila tivessem que ficar em pé. Foi um efeito cascata naquela ala. Para mais dos pecados, o guitarrista Sérgio Dias fez um sinal dúbio com as mãos, não se sabe se para incentivar o canto ou a dança e afinal, todo o teatro estava de pé. Mais de 1500 pessoas passaram quase duas horas de pé. Algumas aproveitaram e, mesmo tendo pagado menos para ficar lá atrás, foram dançar na frente dos outros que pagaram mais para ver melhor. Outras tiveram a sorte de ter alguém mais baixo na sua frente ou até mesmo uma gatinha manhosa a rebolar sensualmente. A segurança do teatro só tomou providências quanto a uma moça mais abusada que quis subir no palco. Tudo que Seu Cândido via melhor era as costas de um rapaz enorme, possivelmente criado à base de polenta na colônia italiana e de sua noiva, uma remanescente hippie, que passou o show inteiro sem prestar a menor atenção na banda que estava no palco, pois dançava freneticamente olhando para os amigos, cantando desafinada e tirando fotografias de si mesma com a banda servindo de pano de fundo. Seu Cândido reparou admirado um rapaz que passou as quase duas horas a filmar em uma pequena câmera. Pensou: que graça teria ver o show filmado daquela maneira em casa, se ele podia ver o show de verdade ou comprar um DVD, que saia mais barato...

Quando o genro veio buscar os dois, perguntou que tal havia se passado tudo. A neta, que havia ficado numa outra fila diferente, falou que tinha adorado, que o Sérgio Dias era fofinho e que o único senão foi um perdigoto que recebeu na sua mão de um cantor amador ao lado dela.

Seu Cândido respondeu:

- Olha, a camisa do rapaz que estava na minha frente era bem bonita...

O genro não entendeu bem a resposta, mas calou.