Poltergeist
“Não há terror em um estrondo, apenas na antecipação dele.”
Alfred Hitchcock
Era um grande feito. Eu tinha uns quinze anos e estava excitadíssima. Seria a primeira vez que iria ao cinema sem a supervisão de um adulto, só eu e minha melhor amiga, igualmente debutante na época.
O filme era Poltergeist e estava passando no Cine Atlântida, localizado no Conic, centro comercial famoso pelas boates e cines pornôs naquela época.
Ela se enrolou, perdemos a sessão das 16h e já estava escuro quando chegamos ao shopping. A fauna local nos deixou assustadas, antes ainda de entrarmos na sala. E o filme era de terror paranormal. Medo!
Numa das cenas, a garotinha grita dentro do quarto tomado por maus espíritos e, seu pai, apavorado, vai levando a mão lentamente na direção da maçaneta. Neste momento, não sei por que, no meio do meu próprio pânico, achei mais graça em assustar minha amiga e lhe dei um cutucão, fazendo-a pular da cadeira ao meu lado, gritando, com o coração a galope, arrancando risadas dos nossos vizinhos. Foi minha sorte. Distraída com o susto que dei dela, não vi a enorme cabeça de monstro plasmático saindo da fechadura para atacar o homem, fazendo-o saltar para trás como uma gazela assustada. Revi esta cena anos mais tarde e, penso que se não estivesse me divertindo em assustar minha amiga, eu também gritaria.
Com a chegada dos grandes shoppings a Brasília, o Conic decaiu de vez. O Cine Atlântida fechou, transformado em igreja evangélica. Bristol também e o Miguel Nabut cedeu à tendência erótica do local.
Neste caldeirão que envolvia pornografia e religião, sindicados, consultórios, restaurantes, tráfico e prostituição, tatuadores e sebos, baratas e ratos, lodo, goteiras e lojas de todos os tipos, algum tempo depois, passei três anos de minha vida cursando a faculdade de teatro e estudando canto. Nesse período, convivi com essa diversidade razoavelmente pacífica de espíritos buliçosos composta por cristãos, artistas, estudantes, rockeiros, antenados e bicho-grilos, todos agarrados ao seu solo sagrado como os índios de Poltergeist.
Hoje, parece que mudou, que as igrejas dominaram o local, mas ainda sinto calafrios quando passo por aqueles corredores.
Deve ser saudade.
Texto publicado no jornal Alô Brasilia de hoje e reeditado do texto homônimo publicado neste Recanto das Letras em 27/01/2009.