INFÂNCIA ABANDONADA E O TRABALHO DOS GRUPOS ESPÍRITAS
Há muito, já sabemos que, ao longo da história universal, o conceito de infância sofreu inúmeras variações nas diferentes culturas do mundo, bem como, as mudanças multifacetadas na tangente dessa classe social. Entretanto, o conceito de adolescência surgiu apenas no século XX, denominado como o “século da adolescência”. Daí, grande parte dos relatos históricos abeirar-se somente a conjuntura da infância, desnudos da especificidade da adolescência tal qual nos vestimos na atualidade. Nosso principal objetivo, a partir de agora, trata-se de conhecer um pouco como ocorreu o processo de cuidado das crianças abandonadas ou em situação de vulnerabilidade social dentro do século XX, especificamente no período da década de 1980 e início da década de 1990.
Sabe-se que nas primícias do século XX, surgiram em todo o Brasil, inovações no que diz respeito à política e a moral. Do mesmo modo em que era fato, a existência da criança e do adolescente, era também necessário os cuidados para com as duas classes. Mas é somente finalizando o século XX, depois do fim dos chamados anos de chumbo que o olhar se volta mais fixamente para a questão da infância, ou seja, esta necessitava de maiores cuidados por parte de todos, inclusive do Estado. Dessa forma, legisladores, psicólogos, educadores e pesquisadores passaram a defender o cuidado e a proteção às crianças e os adolescentes. Entretanto, para melhor compreensão, é bom relembrar que a passagem da década de 1980 para a década de 1990, quando era colocado fim nos chamados anos de chumbo que também atingiram Goiás e foram marcados por fatos políticos que, na atualidade, não se sabe por quais razões, ficam omitidos e ocultados, os acontecimentos malignos da época retardaram o desenvolvimento e o crescimento do Estado, bem como da sua Capital, ao ponto de inúmeras crianças, não ter amparo do Estado.
A partir de agora, para afunilar ainda mais esta pesquisa e cumprir o objetivo solicitado, focaremos o processo de cuidado das crianças abandonadas ou em situação de vulnerabilidade social apenas na cidade de Goiânia.
Pois bem, no início da década de oitenta, as pessoas carentes recebiam auxílio de entidades espíritas e a entrega era feita nas sedes das entidades. Em geral, as famílias se constituíam pela mãe cercada de filhos em busca de sopa, de cestas com alimentos, calçados e roupas usadas. Na oportunidade da entrega ouviam palestras evangélicas.
Percebiam-se à época que os condutores dos veículos de passageiros em massa evitavam parar nas “estações” próximas aos locais de distribuição, a fim de evitar os pobres, modestamente vestidos, com suas sacolas e muitas crianças, ou talvez porque as famílias nem sempre tinham como pagar as passagens.
Motivado pelo abandono, dessas crianças, muitas buscavam na rua o próprio sustento e auxílio para as suas próprias famílias, quando não acabavam se afastando delas, pelos maus tratos de toda ordem recebidos no seio familiar.
Nas primícias da década de 1980, em Goiânia, não foram poucos os jovens idealistas que procuravam mobilizar líderes de instituições espíritas que, levados pela misericórdia, dirigiam-se, nos fins de semana, a lugares onde aglomeravam dezenas de crianças abandonadas nas ruas e periferias da cidade.
Apesar de este trabalho abordar unicamente o tema sobre o processo de cuidado das crianças abandonadas ou em situação de vulnerabilidade social na década de 1980 e 1990 e demonstrar que na época as crianças estavam à margem da sociedade, sem alimento, sem teto ou sem escola, ao mesmo tempo em que viviam à míngua de carinho e de oportunidades é bom ressaltar que, apesar dos avanços legais e morais, ainda hoje, em Goiânia, muitas crianças, assim como em todo o Brasil e em várias partes do mundo vivem em total estado de abandono.
Sou católico fervoroso e, por conta disso, eu devia falar do trabalho realizado pela Pastoral da Criança, na tangente do acolhimento às crianças, mas por respeitar as comunidades espíritas, prefiro continuar com esta pesquisa baseada na assistência oferecida por aquelas instituições que continuam atuando até nos dias em curso.
Membros das comunidades espíritas brincavam e cantavam com as crianças, cortavam seus cabelos e unhas; curavam-lhes pequenos machucados. Fato é que, se por um lado a Pastoral da Criança ajudou a acolher centenas ou milhares de crianças abandonadas, os espíritas também desenvolveram significativos trabalhos em prol de restituí-las, reintegrando-as às suas famílias, sem lhes impor sacrifícios, sem humilhá-las.
Em 13 de julho de 1990, a lei 8.069/90 instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas não teve efeito de imediato, o que quer dizer que os adolescentes apanhados cometendo algum ato infracional, por exemplo, eram recolhidos e apreendidos sem a devida consideração por parte dos agentes e do próprio Estado. Em suma, até os dias de hoje, muitas crianças e adolescentes continuam sendo negligenciados, ao ponto de continuar necessitando do auxílio das instituições espíritas.
Nas décadas de 80 e 90 quando as crianças abandonadas eram indagadas pelos grupos espíritas sobre onde moravam seus pais, elas indicavam vários bairros, com uma peculiaridade: quase sempre chamados “Jardins”, ainda que ali nem sempre houvesse uma árvore ou flor. Como peça pregada pelo destino às crianças e adolescentes, atualmente, nos residenciais Jardins do Cerrado, localizados na região oeste da Capital goiana, que quando criados em 2009 pelo Governo Municipal, em parceria com o Governo Federal, via Caixa Econômica Federal também não possuía uma árvore sequer e que possui ao todo 2. 378 casas e 1. 808 apartamentos existem cerca de 7. 000 mil crianças e adolescentes com idades entre zero e dezesseis anos praticamente abandonadas pelo Estado, muitas das quais sendo, semanalmente, atendidas pelos grupos espíritas, como aconteciam nas décadas de 80 e 90.
Gilson Vasco
escritor