SOBRE A POLÊMICA DO SISTEMA DE EDUCAÇÃO MILITAR EM GOIÁS
Para não cometer nenhuma injustiça contra quem quer que seja, preciso iniciar este artigo que vai tratar da questão da educação militar dizendo que de toda a programação da Rede Globo, a única coisa que gosto é o Globo Rural, mas somente a exibição das edições aos domingos. Sempre digo que ela tenta fazer dos profissionais da informação um bando de marionetes, isto é, as ideias dos jornalistas são ocultas e o que prevalece é o perfil jornalístico da emissora. Em relação ao militarismo, na minha graduação (Licenciatura Plena em Letras) tive diversos colegas militares. Excelentes. Em outras especializações também tive a honra de contar com colegas militares excepcionais, aliás, atualmente numa pós-graduação que estou fazendo, divido o espaço acadêmico com delegados, advogados e outros doutores, muitos dos quais, assim como eu, não se posicionam a favor da educação militar.
Respeito o posicionamento daqueles que, lamentavelmente não conseguiram entender o objetivo da reportagem do programa Profissão Repórter, ido ao ar, na terça-feira, do dia 25 de novembro, sobre os colégios militares, especificamente sobre os colégios militares de Goiás, bem como, concordo plenamente com outros que defendem que a hierarquia e a disciplina são a chave que abre a porta para o sucesso.
Porém, particularmente, nunca fui adepto da ideologia consistente em passar uma imagem de que uma sociedade é mais bem servida e bem mais competente quando conduzida ou norteada por conceitos incorporados na cultura, na doutrina ou no sistema militar, ora, pois, se assim fosse, o período ditatorial teria sido a estação mais produtiva do Brasil e jamais o oposto. Não que eu esteja defendendo a extinção do militarismo, isso nunca. De modo que em artigo anterior eu questionava se a Polícia goiana ainda era confiável e, ao responder, eu dizia que categoricamente, posso afirmar que a Polícia goiana é confiável, o Código Penal é justo, se aplicado e, muitos delegados e juízes, procuram cumprir as leis à risca, porém, neste País onde tudo se dá um jeitinho, o jeitinho malandro, fica impossível punir com a justiça devida. Como exemplo, levei os leitores a pensar numa discussão entre vizinhos, uma briga mais efervescente entre marido e mulher, ou qualquer outra anormalidade mais grave, seja um assalto, um assassinato, a primeira instituição a ser lembrada e chamada toda vez que acontece um ato dessa natureza é a Polícia, que envia seus agentes.
Por outro lado, irmão de militar, cresci ouvindo militaristas sustentarem que a segurança é a mais alta prioridade social e afirmarem insistentemente que o desenvolvimento e a sustentação da grandeza militar garantem essa segurança à sociedade ao mesmo tempo em que assistia - e continuo assistindo - o apogeu da insegurança social, na qual o infrator está cada dia mais livre e o cidadão de bem aprisionado no seu lar, pior ainda, nem mesmo dentro do seu lar está seguro.
Nunca concordei com essas ideias defendidas por militares, primeiro por entender que o militarismo busca a convergência a ampliar a cultura e os ideais militares às áreas fora da estrutura militar, principalmente a negócios privados, política governamental, educação e divertimento, depois porque eu nunca gostei desse regime como função educadora. Desse modo, concordo que a função de educar a criança cabe à Família, aos professores com instrução em pedagogia ou psicologia infantil e à Igreja, uma em plena consonância com a outra e de maneira plena e flexível ao mesmo tempo. Defendo que a educação deve ser adquirida de modo prazeroso e jamais de maneira imposta ou repressiva. O conhecimento, bem como a experiência, deve ser adquirido por vontade própria e com incentivo e nunca por medo. Não ousarei cansar o leitor com discussões mais aprofundadas, em relação a esse regime propriamente dito, uma vez que o ponto-chave é discutir o porquê do meu desagrado para com esse sistema de ideias, no sentindo de essa instituição comandar uma linha de uma suposta educação, a qual eu prefiro chamar aqui de adestramento.
Ressalto que, em parte, eu até concordo com essa ideologia militar no sentido de resguardar a sociedade, de maneira responsável, mas me coloco totalmente contrário a esse sistema de ideias no sentido de querer adestrar nossas crianças. É inadmissível que o mesmo indivíduo treinado e armado para capturar ou mesmo matar bandido nas ruas, penetre numa instituição para adestrar nossas crianças. Se tivermos que termos unidades de ensino militar que deixemos o bombeiro educar nossas crianças e não a polícia. O bombeiro ensina a salvar vidas e a polícia, o que faz?
Claro que a cultura militar hoje está bem mais lapidada a perder de vista do período espartano. Ora, a história tem nos mostrado que a sociedade militarista como instituição adestradora surgiu na Grécia Antiga, sendo que o maior exemplo deste fenômeno foi Esparta, uma cidade de espírito guerreiro que nada mais era que um verdadeiro acampamento militar. Sabemos que desde muito cedo, na verdade, ao completar sete anos de vida, os meninos espartanos eram, obrigatoriamente, entregues ao governo pelos pais. Daí seguia uma disciplina extremamente rígida imposta pelo Estado de Esparta e dedicava todo o tempo aos exercícios e atividades guerreiras. De modo que como meio de educá-los era, todo o tempo, obrigados a se dedicarem aos longos e pesados exercícios físicos e aos preparativos para a guerra. Nessa sociedade qualquer ato de demonstração de fraqueza das crianças era visto como uma falha, um ato de covardia e, por conta disso, era bravamente repelido pela sociedade. Para corrigir possíveis desvios de conduta ou qualquer indecisão pueril, os adestradores se apoiavam no aplicador de chibatadas e suplícios rigorosos. Com o propósito de encorajar as crianças os legisladores espartanos estimulavam os adolescentes a caçarem sozinhos ou em grupo e suas presas eram, ninguém mais ninguém menos que os escravos que eventualmente se desgarravam ou devido à resistência oferecesse perigo ao grupo de caçadores mirins. Quando localizados, os escravos eram alvos das espadas e das lanças dos jovens guerreiros espartanos.
Claro que em momento algum passou pela minha cabeça equiparar as atuais políticas de ensino militar com o sistema educacional espartano que, na verdade, era um adestramento para as armas, motivado pelo conservadorismo e tradicionalismo espartano que se juntava a um gigantesco patriotismo de tamanha cegueira, mas é do meu ver que de certo modo, nossas crianças desse tipo de ensino sofrem outro tipo de adestramento. Não aprendem a manejar armas, nem ferir o semelhante, tampouco se submetem às rigorosas atividades físicas, porém se estatelam com uma forte pressão psicológica ao ponto de os aprendizes saírem em busca de uma válvula de escape, haja vista que essa força energética negativa precisa ser gasta e o indivíduo vai buscar suas válvulas de escape em outros setores da sociedade. Tenho ouvido muitos relatos (visto por mim como preconceito) de motoristas e passageiros do transporte coletivo de Goiânia dizer que já imaginam quando precisam fazer rota próxima dos colégios militares na hora da dispensa dos aprendizes. Isto implica que toda a energia que os alunos não podem gastar no interior dos colégios militares, talvez por motivo de alguma força, elas são extravasadas nos interiores dos veículos.
Isso é um assunto de múltiplas raízes, pois para uns não é inteiramente concordável que aluno que devia está em escola de pedagogia liberal, a qual devia criar o entusiasmo no educando para a aprendizagem prazerosa seja educado em um estabelecimento de regime militar, enquanto que para outros a educação militar seja o melhor caminho para o filho ou para ele próprio.
Por outro lado, caso a reportagem buscou sensacionalismo e eu, neste momento, estiver equivocado, o que é natural do ser humano, equivocar-se, sendo, então, a educação militar um mar de maravilhas e encantamentos, seria interessante, fundamental e preciso que se concretize a expansão desses colégios militares para as periferias de Goiânia (principalmente para os mais de quinze novos bairros que foram criados há mais de cinco anos e até hoje continuam sem nenhuma escola de Ensino Médio) e do Brasil inteiro, pois somente assim, além de alavancar o potencial do ensino, melhorando a nota do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), reduziriam também os índices de criminalidade, uma vez que teríamos através da educação militarizada, melhor disciplina às criança e aos adolescentes, tidos de modo preconceituoso por grande parte das autoridades como indivíduos indisciplinados.
Gilson Vasco
professor/escritor