COMO MATAR UM PROFESSOR

Dona Galdina pode-se dizer já nasceu professora, pois herdara dos pais a profissão que exerceram com afinco. Desde a mais tenra idade, ela, que ainda jovenzinha, já mostrava o tino de educadora. Enquanto os coleguinhas brincavam às suas maneiras, Galdina gostava mesmo era de fingir-se professora. Improvisava lousa, giz e papel e, toda imponente, lá estava lecionando na sala improvisada no banco da praça.

Galdina era rigorosa na disciplina e também na matéria. Nem de brincadeira gostava de dar notas baixas aos seus alunos. E foi assim que a menina foi crescendo, estudando, até que se formou e iniciou-se oficialmente professora. Lecionou em escolas públicas e privadas. Mestre por excelência: - Diziam os mais próximos. E da mesma maneira como iniciou, aposentou-se.

Em casa Dona Galdina não se acostumou com a vida de aposentada. Fazia questão de encontrar entre vizinhos àqueles que precisavam de aulas de reforço e, gratuitamente, os ensinavam. Vibrava quando um deles dava-se bem na escola. - Era uma coroa “pra frente”, dizia a turma.

Ultimamente a velha professora está acamada. O peso da idade deixou-a inválida. Vê tevê boa parte do tempo, ora jornais, ora novela e resmunga sempre que acontece alguma coisa ruim. Entre as coisas ruins que deixa a velha senhora irritada, são as notícias de que os seus colegas atuais travam batalha inglória exercendo a profissão.

– No meu tempo não era assim mesmo! Onde já se viu? Aluno mal educado recebia além de um bom puxão de orelhas, uma bela de uma suspensão. Pronto! Estava resolvido. Nada de pai ou mãe para reclamar. Os pais eram os grandes aliados dos professores, pois eram os maiores interessados em manter os filhos na escola pública. Crianças!

Galdina ouviu um dia desses que alunos atearam fogo no carro de um professor e que este em desespero licenciou-se da profissão para recuperar-se do susto. Ainda hoje não sabe o final da história, mas tem ouvido que a violência está presente nas salas de aula e que a droga é companheira inseparável dessa modernidade. E, por isso, chora e reza todos os dias pelos seus colegas. Indignada, choca-se ao saber que a cada dia dobra a responsabilidade dos professores e que, o governo não valoriza sequer àquele que é sem dúvida, o grande responsável pela formação do jovem. Incrédula, não admite a idéia de um professor lecionar todos os períodos do dia para ter um salário mais digno. E que, de escola em escola, doa-se em um sacerdócio porque ainda acredita no que faz. Os olhos de Galdina enchem-se de lágrimas que lhes queimam as pálpebras. Mas em sonho acredita que tudo será melhor, diferente mesmo! Muito diferente do que ouve nos rádios: - “Professora é morta com um tiro desferido por aluno”.

A velha senhora desdobra-se no leito e num esforço descomunal achega-se à janela de onde avista as crianças do seu bairro chegando à escola. Muitos chegando em peruas escolares, outros em carros, carregando consigo malas pesadíssimas, crianças arquejadas e cansadas como ela.

Galdina que nasceu para ser professora e que um dia jurou ser professora até o último suspiro, da janela acenou para a rua como se fosse a escola dos seus sonhos. E subitamente, imaginou-se novamente criança a iniciar a carreira que herdara dos seus pais.

Galdina foi encontrada morta encostada na janela de sua casa como se olhasse e orasse por alguém.