O MEU BEBÊ...

Passado já do meio-dia, ponto de ônibus lotado, pelo visto a condução está péssima hoje...

Vou ao trabalho, uma rotina diária já de uns trinta anos, - eu devia estar acostumado!

Enquanto espero, um cigarro após outro, pois a manhã já nem foi assim tão fácil... A esposa falando sem parar: acabou o gás, os meninos não foram trabalhar... A conta de luz tá cara, falta água, e nem lavei a roupa...

E na minha cabeça compromissos e mais compromissos!

Passando a uma da tarde, finalmente adentro as dependências do serviço, já de antemão percebo que as coisas não estão fáceis... Faltaram funcionários! A tarde promete!

O fluxo de usuários está grande, volta das aulas...

Já trocado, ponto batido, a labuta...

Três horas da tarde, o tempo não passa!

E entre a demanda de serviços, a cabeça cheia de problemas; já fui alertado, não misturar as coisas, serviço é serviço, casa é casa, e assuntos particulares devem ser deixados na porta de entrada, de preferência do lado de fora... Que aguardem...

A rotina é sempre a mesma, atender com excelência a todos por quem for procurado... As mesmas informações diárias, roteiros, mapas, indicações de linhas de ônibus, itinerários...

Parece que ninguém sabe de nada!

Os elevadores estão parados... Falta peça!

Os idosos, as malas... O povo parece que transporta a própria casa nas costas...

E os pedintes...

E...

E...

Ainda são quatro horas!

Devia já estar acostumado!

Mas a rotina também cansa!

Parece que tudo se inicia a cada dia, ninguém sabe de nada, nada evolui ou melhora! Tédio?

Ainda a pouco brigaram na entrada da estação... Era um casal onde tudo estava ás avessas...

Dezessete horas... Marasmo... Chove lá fora!

Estou sentindo frio...

Quando me viro para vestir uma blusa, o olhar é desviado, os passos retrocedem, sou chamado á função...

Mais perguntas, emais duvidas, já tão batidas... Será que o povo é sempre diferente, e acorre ás ruas próximas sempre pela primeira vez?

Incógnita!

De repente, vejo que se aproxima uma pessoa conhecida, me aproximo, dou um boa tarde, e a mulher me olha sorrindo...

- Sozinha?

- Meu bebê subiu, você não soube?

Súbito silêncio...

- Meu bebê morreu dia 02 de janeiro ás 23h30min horas...

Estou sentindo tanto a sua falta...

Estou bem magra não é?

Nem bem terminada a frase em sua boca pálida, uma lágrima me escapa... Meu Deus... Quanta eternidade num ínfimo instante de uma lágrima!

A mulher a muito passava na estação conduzindo a filha portadora de necessidades especiais... Sempre solicita, e sempre muito amável e sorridente... Sempre cheia de préstimos... Como se a vida não lhe fosse assim tão amarga! E eu com meus calundus, resmungos e impaciências... Sempre na urgência de que algo novo se apresentasse... Que minha vida mudasse...

Após uma rápida explicação do ocorrido, uma despedida, quase sem palavras... A usuária notou a minha tristeza, e num instante estancou os próprios passos... Mas, se algo ainda devesse ser dito, ficou para outra hora... Ela, passando as mãos pelos olhos, pela face, adiantando-se foi embora...

Meu Deus! Como certas coisas não são assim tão importantes? E nós nos desgastamos a toa...

Aquela mulher a muito era alvo de meu olhar... E de meus pensamentos... Uma mãe! Na melhor acepção da palavra!

Sem nem mais pensar no passar lento das horas, sem nem me importar com a chuva, com a repetição de uma mesma rotina, agora era somente o rememorar da presença da mulher e sua filha na estação... As suas mesuras, o sorriso largo, as mãos estendidas, uma ou outra descrição de sua rotina, a vinda com a filha para o seu trabalho, pois ela não a deixava sozinha, a volta de trem, um ônibus, até apear perto de sua casa...

Mas, insistente mesmo, o seu olhar aberto e franco, o sorriso largo, o até logo...

E agora?

Que fique em mim grafado o exemplo da senhora que se distância de meus olhos, mas fixa em meus pensamentos: Quanta garra! Quanto amor! Quanto desprendimento!

Olhando-me no espelho que se constitui os atos desta senhora, não me escapa um questionamento: E se fosse eu?

Silêncio... Até aos meus pensamentos faltam palavras...

Edvaldo Rosa

www.sacpaixao.net

05/02/2015