De Vicente, o exemplo...

Já não me lembra se foi por insistência nossa, ou se por motivação de nos encorajar à prática das virtudes vicentinas que papai topou levar-nos - eu e o Beu - a uma sessão da Conferência de São Vicente de Paula, que se realizava todos os meses, numa tarde de domingo, numa das duas ou três salas do grupo escolar Doutor José Lima Guimarães.

O que sei é que de banho tomado e de estômago forrado - e cabelo escovado, mas mesmo assim espetado - lá fomos ver de perto, em seu foro certo, uma célula viva e ativa daquele enorme universo do Pai da Caridade.

Os graves confrades presentes, operários, ferroviários e um ou outro vendeiro da freguesia, em suas fatiotas domingueiras, de linho e até da casemira, barba escanhoada, saudaram os futuros confrades com a boa vontade do olhar ou um breve comentário, e passaram logo à ação, da abertura da reunião, da leitura da ata da anterior, das prestações de contas, discussão de programa de ação - cuja parte mais visível que conhecíamos, constava de visitas à gente mais pobre e desassistida do povoado e distribuição de mantimentos e dos chamados cobertores de São Vicente. Quem não podia ir de Parahyba, podia ao menos ter esperanças de um São Vicente por riba.

Dava graça ver e ouvir aqueles depoimentos tão espontâneos, quanto singelos na sua apresentação, e tudo transcorria numa sintonia que com pouco, de tanto ouvir aquilo, eis que nos pega, de repente, um cochilo, impertinente.

Foi quando surgiu, providencial, a proposta de uma pausa, pra café, ou por outra causa, até, mas tudo na mais boa paz - e fé. E com a mesma rapidez que a sala esvaziou, Beu e eu, medimos a altura da janela, e para os fundos, e outros mundos, saltamos por ela.

Meia conferência nos esgotara a paciência. Quando voltei a me aproximar de Vicente, já haviam decorrido 40 anos daquele primeiro encontro. E nem o vi, apenas passei choferando, tangenciando a basílica de Dax, e só reduzi a marcha para ler a plaquinha que homenageia, em sua terra natal, o tal Vicente, Santo, Pai da Caridade, e um outro tanto.

Cheguei a cogitar duma paradinha, e até vislumbrei uma janela, da altura daquela antiga, poderia agora pular pra dentro. Mas fui baixar noutro centro: na rota pra Lourdes.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 25/03/2015
Reeditado em 09/04/2021
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