Portaria lírica
Alex abria a portaria nos rudes tempos de Edifício Capri. Abria para eu brincar na pracinha, abria para eu entrar correndo, em fuga dos garotos que me perseguiam – sotaque desgraçado o deste baiano (que, na verdade, era brasiliense) filho de tenente, novo morador do prédio. Eu chegava ao apartamento no sexto andar, muita vez pelas escadas (foguete!) e sentava arfante no sofá, tentando disfarçar os dramas do Frezzarin (ou seria Girassol?) que não passavam no Teatro Municipal. Ainda bem que Alex sabia abrir a porta.
Alex era um porteiro.
Então, eu tentava escrever o que estava sentindo, ver se passava a sensação ruim, angústia de fugitivo, mas sempre ficava piegas no papel – tenção (e tensão) de poeta ainda impoeta.
No térreo, quando Alex levava bronca do zelador, seus olhos ficavam miudinhos, miudinhos... do tamanho de uma lágrima. Quando o zelador saía, Alex resmungava qualquer coisa e encerrava o protesto sempre com o mesmo jargão:
– ...vou te falar uma coisa p’cê viu?
Eu era pequeno ainda, mas tinha atenção de poeta (aquelas professoras parnasianas dos anos 80’s). Adorava ver Alex levar bronca só para ouvir o protesto desaguado naquele erro de português. Achava engraçado. Não percebia que a essência da emoção na expressão daquela frase só se tornava possível por causa da impropriedade gramatical.
Alex era um poeta.