Ativista poético
O nome da figura é Esperantivo, morador do sertão pernambucano de Orobó, meu confrade na Academia de Cordel do Vale do Paraíba. Esperantivo é um poeta ativo que descobre todo dia o assombro, a glória e a danação de ser poeta popular e acreditar na sua arte até as últimas consequências. No caminho para o trabalho, no ônibus lotação, ele se põe a declamar seus versos, sabendo que por mais que os passageiros se aborreçam, o motorista se enfade e os gaiatos gaiatem - por mais que o instante seja anacrônico, que a hora seja acidente, que o contexto não aceite texto, Esperantivo, o poeta ativo, manda ver suas sextilhas expressando o profundo amor pela arte do seu povo e a coragem dos mambembes dançando a dança da vida, convocando nosso espírito a largar a lucidez e brincar de loucos.
Na sua condição de poeta popular, Esperantivo fala de perdas e ganhos, de auroras e sonhos, de tons e nuances desse diálogo torto da vida cotidiana, dos desejos e dos ritmos, sempre alegre, sereno, apaixonado, às vezes trágico, outras vezes bobo, mas sempre solene no seu cantar cordelesco. Onde tiver plateia, ele baixa seu folheto, se instala e canta. “Quem tiver ouvidos de ouvir, que ouça”. É permitida a reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor. É permitido também comprar o folheto, pelo preço do momento, porque essa obra se recria a cada hora. Exercício e invenção esperantiva, a poesia do povo nasce e renasce nas filas, nos restaurantes populares, nas feiras, nos cabarés de ponta de rua.
Esperantivo não realiza nada de espetacular para nossos olhos e ouvidos habituados com a cultura de massa encefálica estercal. Suas sextilhas rebrilham, mas os passageiros nem percebem. Fúteis e medrosos, os ouvintes olham em torno, esboçam sorrisos tímidos, hesitantes e resignados. Mas o poeta continua martelando seus martelos e declamando seus mourões. Não adianta tapar os ouvidos que o eco da fala da gente impregnada de ventos doces e perfumados vai levar a viagem toda a dizer versos assim:
Se o povo é massacrado
Vivendo como um caipora
Vai chegar a sua hora
Dele ser mais respeitado
Nem governo ou deputado
É pai ou mãe do povão
Porque pra essa nação
Viver com dignidade
É só a sociedade
Se juntar em união.
No meio daquelas almas suburbanas, haverá sempre um que quer entender e se põe a refletir sobre as palavras do poeta.
Refletir é transgredir a ordem do superficial.
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