É enorme. Nunca havia visto uma tão grande assim. Tem vista panorâmica para todos os lados. Tem vista para o mar, para as montanhas, para as ruas movimentadas. Sente-se privilegiado com todo esse espaço. Dali ele observa os passantes, sempre se detendo nas moças mais bonitas. Observa também aquela menininha que se veste como mulher e a mulher que se veste como menina, esquecendo-se de que seu tempo já é outro. Lamenta a cara daquela senhora que parece carregar o mundo nas costas. Daquela outra que passa levando, pela coleira, um galo. O pobre vai envergonhado, lembrando-se de quando ele era o rei do terreiro e traçava todas as galinhas. E aquele senhor, coitado, parece que passa a vida chupando limão. Talvez nunca tenha aprendido a fazer uma limonada. Lamenta quando vê uma mulher muito gorda. O que estará acontecendo com aquela pessoa – pensa – deve estar compensando as suas frustrações com a comida. Ele tem um cachorro com o qual conversa, mas não lhe fala de problemas, só de lembranças boas. Algumas pessoas lhe dão pequenos presentes. De onde estou não vejo o que são. Outras abrem a bolsa e lhe dão, creio eu, uma moeda. Ele agradece com um sorriso. Ele está muito magro, deve comer pouco. Estará fazendo dieta? Com toda certeza quer ficar elegante. Essa era a minha visão romântica daquele morador de rua que resolveu escolher Ipanema para sua residência. A verdadeira história é bem diferente, como me contou, quando lhe fui dar um prato de comida. Trabalhava, honestamente, quando a crise chegou à empresa onde prestava serviço. Foi demitido e, sem dinheiro para pagar o aluguel de sua pequena casa, foi despejado. Em seguida a mulher o abandonou. A vida na rua é dura, só come o que lhe dão de esmola. Não toma banho e, assim, vai ficando cada vez mais irreconhecível. Quem vai lhe dar um emprego nessas condições? A senhora elegante passa por ele e exclama: vagabundo! Ele sabe fazer muitas coisas, como me contou. É eletricista, mas sabe também pintar paredes, consertar descarga, trocar azulejos e faria qualquer coisa para ganhar uns trocados. Será que a senhora elegante lhe daria emprego? Claro que não. Se alguém o ajudar ele voltará a ser um homem. Se não, ele continuará sendo um molambo. Não posso levá-lo para minha casa. Vou continuar a ajudá-lo enquanto ele estiver morando aqui por perto, na sua moradia panorâmica. Vou pedir às forças superiores que ponham, no seu caminho, alguém que possa lhe dar a mão para levantá-lo. É só disso que ele precisa. Eu posso viver cem anos e nunca vou me acostumar com essa visão. Deve ser muito triste dormir ao relento. Muitas vezes ele deve sonhar que é um rei, que mora num palácio, que está esquiando na neve e, ao acordar, vê que não é a neve que esfria os seus pés, mas sim a chuva que caiu de madrugada. Quero continuar a sonhar que, algum dia, no meu país, não haverá mais moradores de rua.