Meu primeiro beijo
Era uma vez... Um lugar, em meio ao nada, que hoje não é mais o nada, cheirinho de café da manhã, fumacinha saindo da boca, que acontecia quando eu falava. O último botão da camisa, branquinha e manchada de goiabada e um pouquinho de farelo de biscoito de maisena estava colocado na casinha errada, ela era de linho, minha calça, azul marinho, de napa, que tinha o zíper defeituoso preso com alfinetinho de aço, no pé um kichute, o maior barato era pisar em poça d´água pra ver a marquinha do solado no chão. Eu tinha piolhos, e meu maior esforço era não coçar a cabeça em meio aos meus colegas igualmente piolhentos, a hora do intervalo era pingue pongue, eu não ganhava nunca, ainda assim fazia questão de anotar os pontos no meu caderno de educação física, que quase não era usado, cheio de orelhas, com a minha letra que era um garrancho, pois também não gostava de usar cadernos de caligrafia. Foi com essa letra que eu, cuidadosamente, escrevi pra ela, bilhete secreto, cartinha inocente, despretensiosa, tímida, mal escrita (tudo bem, vai!); e ela Manu, tadinha, não tinha como corresponder, a carta era secreta. Manu era menina quietinha, vestida com saia de brim, brincos de bolinha, cabelos de trança que começavam o dia bem feitinhos, de manhã bem cedinho, mas que iam bagunçando com o passar do tempo, ela não tinha piolhos, eu acho, mas tinha sobrancelhas muito grossas e olhos bem verdinhos, os botõezinhos da camisa todos certinhos.
E foi ela, Manu, ah! Manuela, tempo vago, não teve aula de história, e cada um fazia o que queria, sentei-me ao seu lado e entreguei-lhe uma cartinha pessoalmente. Manu me respondeu, resposta não verbal, entre gestos e olhares, e o roçar de seus dedos em suas trancinhas, jogando a cabecinha para o lado e dando de ombrinhos como toda menina tímida. Seus dedos tocaram os meus, borboletas no estômago e de repente não havia mais barulhos ao meu redor, somente sininhos sorridentes. Sua resposta a minha cartinha, que por sorte aconteceu antes de tocar a sirene do final do tempo vago significou
o meu primeiro beijo..