Não lembro!
Sério, não lembro como era a cidade da minha infância. Não é efeito da senilidade. Afinal, ainda não sou protegido pelo Estatuto do Idoso. Vou explicar, assim você não perde tempo tentando adivinhar: eu vomitava em qualquer meio de transporte que se movia. Tipo carro, ônibus... essas coisas assim, que insistiam em se mover. Minha mãe me dava um remédio para “segurar o estômago” e eu dormia o caminho todo.
Mas nem toda memória está perdida! Lembro do que fazíamos quando chegávamos ao destino.
Uma vez fomos ao Aeroporto de Congonhas, quando eu tinha uns dois anos, ver os aviões. Tá bom, vai... dessa eu não lembro Sei que aconteceu porque tem uma foto. Mas lembro de uma vez que fomos à Represa do Guarapiranga, só não lembro o que fizemos lá.
Lembro também que íamos muitas vezes para a casa da tia Alvina, excluída pela família por ser fofoqueira, traço de sua personalidade que nunca reconheci como verdadeiro, porque ela não fazia fofoca comigo. Era lá em Itaquera; uma viagem pela zona rural. Nos anos setenta era. Algumas vezes dormíamos lá e, valendo-se da sua incrível habilidade de engenheira do cotidiano, a tia Alvina, que era tia do meu pai, juntava as duas poltronas, de frente uma para outra, e lá eu dormia um sono de criança feliz e protegida; pelo menos lá.
As ruas eram de terra e quando chovia, os girinos saíam de suas poças-lagoas e espalhavam-se pelo mundo todo através das enxurradas. Havia também um parquinho de diversões perto do ponto de ônibus e antes de irmos embora, meus pais levavam-me para brincar um pouco; só não lembro em quais brinquedos. Não, mentira! Lembro dos carrinho de bate-bate porquê sempre saía machcado.
Passeio especial mesmo, que não consigo esquecer, eram os almoços no restaurante de vidro que tinha debaixo da marquise do Parque do Ibirapuera! Ainda ouço o tilintar dos talheres e a luz do dia entrando plena no restaurante. Meu pai só pedia capeletti ao molho rosê. Havia um garçom que era amigo dele e reservava a cadeira alta de criança para mim, levantava-me e acomodava-me nela. Acho que eu retribuía com pouca cordialidade, não lembro bem. Mas era culpa daquela cadeira! Desde aquela época eu já tinha medo de altura; só não sabia explicar!
Também lembro de um passeio que fazíamos, um piquenique no estacionamento do Supermercado Barateiro, da Avenida Ricardo Jafet. Aí já lembro com mais detalhes sobre a minha cidade: na avenida, a calçada era de terra. Eu adorava aquilo; era meu momento bicicross!
O que tinha de interessante naquele estacionamento? Sossego, tipo retiro espiritual, para os meus pais e espaço e asfalto plano para mim. O cardápio do piquenique era torta de frango e guaraná; um banquete. E era a pura sensação de liberdade pedalar a minha Dobravelzinha verde-escuro-metálico naquele asfalto liso, sentindo o vento no rosto; o equivalente a uma Harley Davison na estrada, na minha idade. A liberdade do vento no rosto!
Fora isso não lembro de mais nada. Não, mentira! Lembro que dava para ver o sol nascer por completo, da janela da cozinha de casa, sem prédio nenhum no horizonte. Dava para ver a curva do mundo lá onde começa o Ipiranga. Hoje só dá pra ver onde começa o Ipiranga se for de carro, ônibus ou metrô...
Este texto faz parte do Exercício Criativo "A cidade da minha infância" do Grupo Encanto das Letras. Quer saber mais e conhecer obras de outros autores, fazer parte do grupo? Acesse: http://encantodasletras.50webs.com/vocemebagunca.htm
Sério, não lembro como era a cidade da minha infância. Não é efeito da senilidade. Afinal, ainda não sou protegido pelo Estatuto do Idoso. Vou explicar, assim você não perde tempo tentando adivinhar: eu vomitava em qualquer meio de transporte que se movia. Tipo carro, ônibus... essas coisas assim, que insistiam em se mover. Minha mãe me dava um remédio para “segurar o estômago” e eu dormia o caminho todo.
Mas nem toda memória está perdida! Lembro do que fazíamos quando chegávamos ao destino.
Uma vez fomos ao Aeroporto de Congonhas, quando eu tinha uns dois anos, ver os aviões. Tá bom, vai... dessa eu não lembro Sei que aconteceu porque tem uma foto. Mas lembro de uma vez que fomos à Represa do Guarapiranga, só não lembro o que fizemos lá.
Lembro também que íamos muitas vezes para a casa da tia Alvina, excluída pela família por ser fofoqueira, traço de sua personalidade que nunca reconheci como verdadeiro, porque ela não fazia fofoca comigo. Era lá em Itaquera; uma viagem pela zona rural. Nos anos setenta era. Algumas vezes dormíamos lá e, valendo-se da sua incrível habilidade de engenheira do cotidiano, a tia Alvina, que era tia do meu pai, juntava as duas poltronas, de frente uma para outra, e lá eu dormia um sono de criança feliz e protegida; pelo menos lá.
As ruas eram de terra e quando chovia, os girinos saíam de suas poças-lagoas e espalhavam-se pelo mundo todo através das enxurradas. Havia também um parquinho de diversões perto do ponto de ônibus e antes de irmos embora, meus pais levavam-me para brincar um pouco; só não lembro em quais brinquedos. Não, mentira! Lembro dos carrinho de bate-bate porquê sempre saía machcado.
Passeio especial mesmo, que não consigo esquecer, eram os almoços no restaurante de vidro que tinha debaixo da marquise do Parque do Ibirapuera! Ainda ouço o tilintar dos talheres e a luz do dia entrando plena no restaurante. Meu pai só pedia capeletti ao molho rosê. Havia um garçom que era amigo dele e reservava a cadeira alta de criança para mim, levantava-me e acomodava-me nela. Acho que eu retribuía com pouca cordialidade, não lembro bem. Mas era culpa daquela cadeira! Desde aquela época eu já tinha medo de altura; só não sabia explicar!
Também lembro de um passeio que fazíamos, um piquenique no estacionamento do Supermercado Barateiro, da Avenida Ricardo Jafet. Aí já lembro com mais detalhes sobre a minha cidade: na avenida, a calçada era de terra. Eu adorava aquilo; era meu momento bicicross!
O que tinha de interessante naquele estacionamento? Sossego, tipo retiro espiritual, para os meus pais e espaço e asfalto plano para mim. O cardápio do piquenique era torta de frango e guaraná; um banquete. E era a pura sensação de liberdade pedalar a minha Dobravelzinha verde-escuro-metálico naquele asfalto liso, sentindo o vento no rosto; o equivalente a uma Harley Davison na estrada, na minha idade. A liberdade do vento no rosto!
Fora isso não lembro de mais nada. Não, mentira! Lembro que dava para ver o sol nascer por completo, da janela da cozinha de casa, sem prédio nenhum no horizonte. Dava para ver a curva do mundo lá onde começa o Ipiranga. Hoje só dá pra ver onde começa o Ipiranga se for de carro, ônibus ou metrô...
Este texto faz parte do Exercício Criativo "A cidade da minha infância" do Grupo Encanto das Letras. Quer saber mais e conhecer obras de outros autores, fazer parte do grupo? Acesse: http://encantodasletras.50webs.com/vocemebagunca.htm