O ancião
É tão velho que todo dia quando o vejo penso que será a última vez. Ele mingua. Olhando-o, penso nas histórias que deve ter para contar. Que vontade de tomar um chá com ele. Tenho vontade de convidá-lo, para, ouvindo-o, sentir se suas idéias têm coerência. Se tiverem, além da alegria de conversar, terei material de sobra para escrever. Vivo escrevendo sobre fatos reais, como sabem.
Quando nos encontramos, infelizmente é só “Que calor, né?”; “Que chuva, não?” E não passa disso. Os dias correm, e eu na ânsia de pegar seu Raymundo e conversar. Sim, ele é esquivo, não fala senão as coisas convencionais. E vai minguando. Até quando, meu Deus?
Lembro-me do grande desejo que nutri de gravar as fantásticas histórias que meu tio Randolpho contava. Como ele, nunca vi na vida. Ele gostava tanto da suas aventuras que as repetia incessantemente, e mamãe o repreendia dizendo: “Você já contou essa, tio Randolpho!” Eu brigava com ela, dizendo: “Deixe ele contar, tudo é tão engraçado! Tão cinematográfico, mesmo sendo real.” Grande figura o meu tio!
Um dia titio se foi como um passarinho, e eu, inconformada, fiquei sem falar comigo por um mês.
Agora, é essa história de seu Raymundo... Deve estar beirando os cem. Ainda sai, faz compras nas lojas aqui da rua. Hoje o vi com uma bengalinha e perguntei:
— Ué, machucou o joelho?
Ele respondeu:
— Não, é o ácido úrico.
Então expliquei tudo a ele sobre o problema do ácido úrico. Falei que tomando o remedinho ele melhoraria. Ouviu, sorriu e disse:
— É, tem jeito sim.
Senti um frio no peito.
Terei tempo para um chá com ele antes que, como uma peninha, seja levado pelo ar, pela brisa, por um sopro?