Cidade natal, morada da infância (EC)

Cidade natal, morada da infância - a redenção de Ana Clara (Parte última2)

A vida, como dizem os ditados populares, é uma peça de teatro que não permite ensaios. Os erros não são perdoados, os caminhos não podem ser refeitos, tudo o que se tem à frente são novas estradas, percursos absolutamente desconhecidos. Bem, às vezes, isso não é tão verdadeiro assim, os caminhos, a fortiore, podem ser feitos novamente.

Ana Clara, a fêmea do divã, cuja vida fora bagunçada por um amor platônico (... pelo Dr. Gikovate, ninguém aguenta mais essa história), por exemplo, depois da frustração sofrida, sentia-se só e desamparada. Envergonhada, até. Do trabalho, não quis mais saber. Os filhos, coitados, sentiram na pele a dor da mãe, mas não foram abandonados - mãe não abandona filho. Mas perde a esperança. Era isso: Ana Clara sofria de desesperança.

O que se faz quando se perde a esperança, afinal? Abandona-se o barco, a cena, a vida?

Ana Clara não sabia, mas, na semana seguinte àquele dia desditoso, partiu para uma cidadezinha do interior, a cidade que a viu nascer e crescer. Foi preciso coragem para refazer aquele caminho e reencontrar os que lá ficaram.

À porta da entrada da cidade, levou Aninha para um passado longínquo. E ela sentiu o cheiro doce e materno da sua infância, vislumbrou, em relances, as ruas que a levavam de casa para a escola, da escola para a sorveteria do Sr. Joaquim. Lembrou-se de que os domingos eram dias de missa, e ela só podia ausentar-se do compromisso cristão quando adoecia. Ouviu, no íntimo, a voz de sua mãe, preocupada, dizendo ‘se apresse, minha filha, Deus não pode esperar’. Recordou da fala do professor Campos, declamando as poesias de Bandeira, Drummond e Cecília; dos micos que cometera, era péssima em geografia, da voz do poderoso professor Euclides ‘menina, você é burra?’. Aquilo a constrangera, mas ficara esquecido, pobre daquele professor, perdido em seu egocentrismo; lembrou-se, também, do namoradinho da adolescência, do primeiro beijo e do choro quando a paixão evaporara.

O que importava é que Ana Clara estava voltando. Ela ria e chorava quando chegou à sua casa. Seus pais já haviam partido, mas o abraço do irmão mais velho fez com que ela se sentisse a Ana Clara de sempre, a Anita, como os amigos a chamavam, a menina doce, alegre e sonhadora.

Aquela casa, aquela ruazinha, aquela cidade a acolhia. Era a cidade de sua infância. Um abraço fora o suficiente. E Ana Clara compreendeu que, mais uma vez, prosseguiria.

É. Ana Clara acertou em cheio. Esperamos, um dia, também, fazer o percurso de volta à nossa casa. E resgatar a nossa essência.

Este texto faz parte do Exercício Criativo – A cidade da minha infância. Saiba mais, conheça os outros textos: http://encantodasletras.50webs.com/acidadedaminhainfancia.htm

RosalvaMaria
Enviado por RosalvaMaria em 23/03/2015
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