HISTÓRIA DE UMA VIAGEM A NATAL... (2)
 
O dia 05 de março amanheceu bonito. Parecia que a áurea da felicidade resolvera se fazer presente em todos os habitantes da cidade. Logo cedo, por volta das 07h50min, uma ligação do padre Guimarães (que estivera indisposto no dia anterior e, segundo ele nos disse depois, com um medo enorme de não poder ir a essa viagem marcada para o dia seguinte) me perguntando se eu não “ia mais” apanhá-lo na residência de sua irmã.

– Claro, padre. Aguarde um instante só. Estou indo buscar o poeta Antonio Francisco e, em seguida, passo aí no prédio para apanhá-lo.

– Raí, quantos livros devo levar? – a pergunta tinha sido em função de que, depois da visita à casa do nosso amigo, iríamos dar uma passada na Livraria Nobel e deixar uns livros dele para que os amigos de Natal também tivessem acesso às “Cartas do Irmão Manoel” e “Zé de Néo em versos e prosa”.
Disse-lhe uma quantidade suficiente para a primeira leva de procura, dei um até logo e tratei de terminar de me “arrumar”. Saí logo depois e a primeira parada foi na casa do poeta Antonio Francisco.
Fui recebido por dona Nira – esposa do poeta –, que é a sua assessora de imprensa, empresária e secretária particular. Como sempre, o convite para descer, entrar e tomar uma xícara de café. Infelizmente, não foi possível. Tinha pressa, pois ainda iria apanhar o restante da turma. Uma pena, pois segundo nos contou, depois, o poeta, dona Nira tinha preparado um desjejum daqueles, especialmente, diga-se de passagem, para o padre Guimarães. Se o poeta tivesse me adiantado, eu teria feito o inverso: teria apanhado primeiro todos eles e deixado o poeta por último. Aí teria dado certo. Tem nada não, dona Nira! Segundo o padre Guimarães, a visita será feita em breve, para provar dos quitutes da senhora.
Antonio Francisco é dessas figuras que nos apaixonam. Carisma é o seu sobrenome e humildade o seu nome verdadeiro. Já foi quase tudo, mas é no artesanato da vida que ele se destaca. Exímio contador de piadas não se faz de rogado quando o assunto descamba para os problemas que afligem a todos nós. As suas colocações diante dos problemas nos mostram o quanto não se fazem necessárias, para viver, tantas coisas supérfluas e efêmeras. É preciso conhecê-lo para compreender que o sentido da vida é feito de pequenas coisas, da vida em comunidade, da convivência com a natureza.
Saímos, nós dois, para o residencial onde o padre nos esperava. Quando chegamos lá, em poucos minutos, o servo de Deus veio nos fazer companhia. Padre Guimarães ou Irmão Manoel é, como se diz na literatura religiosa, “um homem santo”. Estar em sua companhia traz uma paz de espírito tão grande que você se sente leve, alegre e feliz – tudo ao mesmo tempo. Além de filósofo, teólogo, dramaturgo, ator, radialista e, claro, um representante de Deus na Terra é um excelente contador de piadas.
Agora estávamos já em três pessoas. Próxima parada: casa do jornalista Mário Gérson. Excessivamente pontual com as suas obrigações, mal eu buzinei, Mário já apareceu “destrancando” o portão. Ao chegar perto do carro me fez descer para que pudesse me dar um abraço apertado. Embora num primeiro momento o padre e o poeta não tenham entendido o porquê daquela cena – com direito a um beijo no lado esquerdo do rosto –, logo em seguida o próprio disse que tinha sido a forma que encontrara para selar uma nova paz entre nós, levemente estremecida, diante de um episódio que já ficou para trás. Mário é dessas pessoas que podemos classificar com uma frase que foi, durante muito tempo – no período ditatorial –, o carro chefe da propaganda do governo militar: ame-o ou deixe-o. Eu e a maioria preferimos amá-lo. Jornalista sério, caráter ilibado, judeu convicto (segundo padre Guimarães, o judeu mais católico do mundo), Mário é um leitor voraz conhecedor de uma substancial parcela da literatura mundial e um intelectual, diria, pensador crítico das coisas que ainda nos são incompreensíveis.
Depois que Mário entrou no carro, só nos faltava a lady da viagem: a poetisa Ângela Gurgel. E ela estava nos esperando numa maternidade. Explico: a sua filha do coração (sobrinha de sangue) estava dando à luz o Miguel. Portanto, ela estava prestes a se tornar tia/avó. Contudo, na hora em que nós a apanhamos, Miguel ainda não tinha dado a sua graça ao nosso mundo. Ainda respirava, confortavelmente (e seguro) no ventre de sua querida mãe. E é claro que, quando uma madame se aproxima, todos se levantam para recebê-la. No caso especifico, todos saíram do carro para recebê-la. Ângela Maria Rodrigues de Oliveira Pereira Gurgel (ufa!) é cativante até no andar. É dessas pessoas que carrega e valoriza a palavra mulher em toda a sua essência. Imortal da AFLAM – Academia Feminina de Letras e Artes de Mossoró –, é poetisa e escritora. O seu sorriso fácil é sempre acompanhado de uma gargalhada que contagia todos a sua volta. E é espirituosa: está sempre com a resposta na ponta da língua. Eu a conheci na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN – e, de lá para cá (eu e Mário Gérson), tornamo-nos grandes amigos. Tenho-lhe um apreço muito grande. Ângela é, de fato, uma amiga/mulher extraordinária.

Pronto! Agora os lugares, dentro do carro, estavam todos ocupados. Lotação completa. Desta forma o rumo que tomamos foi o da capital do estado do Rio Grande do Norte.


Continua...
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 22/03/2015
Reeditado em 20/03/2019
Código do texto: T5179400
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