Rebeca
Era uma sexta-feira, final de mês, central de atendimento sem ligações, turno da tarde, não faltando muito pro fim do expediente, que era às vinte horas, parecia que a hora não passava - na verdade não passava – um tédio sem precedentes, um olhando pra cara do outro, um barulhinho de ar condicionado que piorava tudo ainda mais, eu, pra passar o tempo, contava e “recontava” meus vales-transportes, que na época ainda eram de papel, perdia a conta e começava tudo de novo, eles chegavam faltando sempre 2 ou 3 dias pra acabar o mês. A alegria era destaca-los um a um e formar um bolinho, e então ficar olhando com satisfação ao lembrar que o moço do ônibus, que vendia amendoins japoneses, e canetas com adesivos de bichinhos, aceitava vale-transporte. Cinco minutos pareciam passar em meia hora, meia hora demorava o expediente inteiro para passar, ia ao banheiro diversas vezes, mas não adiantava, o tempo era cruel e se arrastava, nos punindo sem piedade. Era bem mais animado, assistir uma corrida de um quilômetro entre uma tartaruga e um bicho preguiça, ou uma briga de lesmas. Tínhamos outras distrações para passar o tempo, bem mais divertidas, porém polêmicas e proibidas – dizem que o proibido é melhor – uma delas, passar e-mails não pertinentes ao trabalho, tipo correntes... piadas... fofocas (eu sei, feio!) simpatias, brincadeiras em geral aos colegas de turno. Eu era Team Leader de equipe, e como tal precisava dar o exemplo, porém, depois deste dia, passei a acreditar que, realmente o ócio é a maior e mais bem elaborada oficina do diabo. Comecei a mandar e-mails sem parar, sem controle, e mandar... e mandar... Cada e-mail que eu mandava era respondido e repassado pelos meus colegas, eu encabeçava a quadrilha, aquele que precisava vigiar pra que não fizessem, era o líder, o cabeça da desordem. Não havia como eu ser flagrado, pois o monitoramento das ligações e e-mails faziam parte da minha tarefa, e eu copiava cada colega cuidadosamente um a um. O tempo começou a correr, a andar mais depressa, o expediente a ficar muito divertido, meus colegas cúmplices riam como se fosse do nada em suas cadeiras, eu ria igualmente a cada e-mail de palhaçada enviado, e a alegria tomou conta. Assim, faltando pouco tempo pro fechamento do expediente, resolvi mandar o último. Ele era genial, bem sacado, bem elaborado, bem construído, e hoje posso e tenho que concordar, tinha, de certa forma, muito a ver com as doutrinas ditadas pela Empresa, era verdadeiro, genuíno, inteligente. Coloquei o conteúdo no corpo do e-mail, selecionei os mesmos colegas cúmplices de sempre e cliquei "enviar".
Pronto! Bastava esperar um pouquinho, que já se daria o efeito que todo e-mail engraçado é capaz de gerar.
20 segundos... o tempo que cada um levava para ler: os primeiros risos.
35 segundos... as primeiras respostas.
45 segundos... os risos generalizados.
1 minuto... A supervisora do setor, Priscila, se levanta, e mexe a cabeça como quem procura alguém em meio a tantas mesas e cadeiras.
1 minuto e 15 segundos... Eu fico em posição inclinada meio que deitado na cadeira, com as duas mãos na parte de trás da cabeça, pernas cruzadas, pensando comigo mesmo, e rindo, claro.
- Ih, essa é a parte em que ela chamará alguém para dar “uns porros” por alguma besteira feita. Finalmente um pouco de alegria nesta Central.
E finalmente, depois de pouca procura, veio até mim, e com tom bem baixinho de voz, com a boca próxima ao meu ouvido me avisou:
- Fê quer falar com você!
Fernanda era a Gerente.
Fui tranquilamente, descontraído, sorridente, acenado aos meus colegas.
Ao chegar, sem nenhuma pressa, à mesa de Fê, ela, com o sorriso que lhe era peculiar, me recebeu e falou:
- Sente-se Cristiano!
- Como vai a família? A vida?
E eu:
- Tudo bem?
Ela virou seu monitor em minha direção e:
- Agora me explica que porra de e-mail é esse!?
E eu com cara de CARALH@#%$% PQP@#$%
Engoli a seco, derrubei todas as coisas de cima da sua mesa, quebrei a perna da mesa dela, nervoso.
- Por qual motivo você mandou isso para Rê?
Rebeca era membro da alta direção da Empresa, e exigiu imediata explicação em relação ao e-mail enviado pra ela, cobrando Fernanda. E eu:
- FUD@#$%.
Gaguejava, queria chorar, queria gritar, queria minha mãe, queria ser invisível, queria enterrar minha cabeça na terra, queria sair correndo.
Ocorre que tinha uma Rebeca simples mortal em meio aos meus colegas cúmplices na besteira, e eu mandei pra Rebeca errada, o que desencadeou um efeito cascata dos porros lá de cima até chegar em mim.
O resultado só não foi minha demissão pelo simples fato de tal e-mail ter feito cada membro da Alta direção repensar seus conceitos, por mais que fosse uma piada tal e-mail que começava assim:
"Prezados colegas de turno, leiam atentamente, e observem como este e-mail é a cara da nossa Empresa. Peço, por favor, muito cuidado. Ao acabarem de ler, deletem imediatamente, e, eu disse e, em hipótese nenhuma respondam, ou repassem este conteúdo, sob o risco disso ir parar na tela de algum diretor idiota, um ótimo final de semana a todos"
Leia o e-mail que deu MERD@#$% em:
http://www.recantodasletras.com.br/humor/5179381