Aventura

"Eu estava fadigado, havia corrido tanto que minha respiração arfava, ao que parece não sabia eu que cavalos eram violentos, o que achei estranho pois lembro-me do lugar que outrora estive, onde me vi com lindos e dóceis alazões. Mas afinal, onde eu havia chegado? Estava para descobrir...

Era um lugar taciturno e fluido, ainda incerto, mas que logo compreendi tratar de uma base militar; caramba, olha onde eu havia chegado. Vozes e mais vozes ecoavam ordens e generais traçavam planos de combate, olhei ao céu com resolução, jurava ter visto um majestoso dragão cortando os ares, em esplendor; era impossível, sem sentido, ficaria na dúvida. Sem ao menos perceber cheguei a um carro, e nele estava com outros como eu, fardados. Eram muitos soldados, conversando e conversando e conversando e conversando, e assim ficou... Eita coisa chata!

Desisti daquele blá-blá-blá politizado, cheio de metidos a sábios em tamanha arrogância, dizendo com rasa profundidade coisa de gente pretensiosa... Minha cabeça já não prestava atenção, agora me via olhando novamente o céu, mas ao olhar para baixo já não havia soldados ou tiros que ecoavam, eram todos monstros, verdes e de aspecto grotesco, à primeira vista; o que me foi estranho é que eu realmente fiquei com medo deles. Corri mais e mais, numa velocidade que me privava de deslumbrar com um olhar crítico cada detalhe da paisagem a minha volta, o que havia a ser visto. Cheguei a um tal fim de estrada, não havia para onde correr. Parei e me senti vazio por uns instantes. Ficar parado era muito chato e voltar era cansativo, que droga!

Durou pouco, foi o cansaço que não me deixou ver a pequena viela que havia naquela rua maltrapilha. Entrei nela e continuei, não queria voltar para casa, não agora que chegara tão longe, e ficara em lugares por tanto tempo... que viagem!

Mas estava ficando cansado, perdido, e a tal altura, parecia ainda mais perdido, entretanto eu era adolescente, daqueles metidos a filósofo, então senti que a cada subjetivo e inédito lugar que visitava aprendia eu um pouquinho mais, conhecia um pouquinho mais de mim a cada coisinha que enfrentava, desde as chatices do tal amor até a minha casinha sem reboco, que construía e demolia; e depois construía e demolia de novo, deixando-a cada vez mais bonitinha; ai ai, talvez realmente aprendi um pouquinho mais nestas viagens. Sorte minha que fugi de casa, me perdi, estive em todos os lugares num só - e me encontrei.

Agora meus olhos já estavam cansados, mais que meus pés, e me vi apenas caminhando a passos curtos e serenos ao que parecia uma cabaninha, e nela vi muita gente familiar, muita gente especial. Vi um tal cavalo resmungão, acanhado com seu cubo-mágico, também vi um dos soldados daquele batalhão, o mais audaz, em uma cadeira de rodas; estava lá até o tio caseiro de Alagoas, um tal Fernando, não sei... algo com "F", enfim, aquilo era realmente legal! E havia lá um outro que eu até então não conhecia, era um típico velinho-sábio, daquele tipo que conta histórias. Sentei-me — e não me pergunte o porquê — em seu colo, e não achei aquilo nada estranho, apesar da minha idade; Já não sentava mais no colo dos meus avós. E o tal velinho, desconhecido e paciente, logo se meteu a contar-me suas historinhas, que delícia, um descanso inesperado e merecido depois de uma jornada longa como aquela, a de uma vida, de várias; ouvi, ouvi e ouvi, e em seu confortável colo adormeci. Acordei e encontrei o velinho ainda ali, acordado, entusiasmado, louco para me contar suas histórias. Mas eu já estava cansado, da cabeça aos pés, então me despedi, afinal, com este já aprendera muito para um café!

E parei de passear, apenas sentei-me e abri um livrinho, uma história muito aquém às aventuras que acabara de viver, uma historinha tal chamada Vida. E então estatelei-me no chão. Estava em um lugar tão vazio, deserto, não havia nada além dos meus pensamentos e anônimas diretrizes; percebi isso, e quando o percebi me vi num mundo mágico, de cavalheiros e damas, espadas e varinhas, de amor e desilusão; Havia dragões nos céus e milícias de camponeses descontentes, havia reis, havia servos... tinha de tudo, e o meu maior privilégio era que, nesta história, eu podia ser quem eu quisesse ser. Agora aquele lugar não era vazio, sem graça ou deserto, agora ele era tão, ironicamente, eu! Um lugar fluido e concreto, subjetivo e direto, de fantasias que machucam, ficções que provocam, realidade que anima.

Refleti por um bom tempo.

Perguntei-me se era uma brincadeira da minha mente, uma mentira dos meus olhos, se tudo aquilo que fantasiava minhas realidades eram apenas enganações... hoje sei que não eram, que não são.

Vi meu nome como autor daquele livrinho, Vida.

Farei dele uma grande história, a minha grande história."

Daniel Reis
Enviado por Daniel Reis em 22/03/2015
Reeditado em 28/03/2015
Código do texto: T5178820
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