O templo

Olhava o mar. Era uma manhã agradável de outono. Segundo seu horóscopo no jornal, seria um dia de grandes descobertas. Mas ele preferia a sessão de esportes, e sua única descoberta foi que seu time empatou fora de casa. Sentava numa pedra enquanto a manhã era agradável e olhava o mar. Gostava de fazer isso. Quando era mais novo, pegava o despertador do quarto do pai e colocava para quinze minutos antes do nascer do sol. Acordava num pulo enquanto o céu começava a trocar o preto pelo roxo e o roxo pelo azul. Ia correndo descalço pelas pedrinhas da trilha e as folhas molhadas de orvalho acariciavam seu corpo. Toda essa ansiedade sumia assim que a pequena mata acabava abruptamente e ele podia finalmente, do topo de um conjunto de pedras aos pés da água, ver o sol cumprimentar o mar. Sentava-se na mesma pedra que estava sentando agora, seu formato excepcionalmente achatado e largo e o fato de ela estar apoiada numa outra pedra maior que servia de encosto lhe rendeu o apelido carinhoso de O Trono, apelido que permanecia até hoje, mesmo que agora, passados alguns anos, o nome parecesse ligeiramente menos majestoso e vagarosamente mais infantil. Gostava de pensar que aquele lugar era só seu e de algumas gaivotas curiosas. E até onde sabia, era. Viajava todas férias de verão pra essa mesma praia há quase vinte anos e nunca havia visto ninguém no Templo (esse apelido continuava majestoso e vigoroso, apesar do tempo). Quando pequeno, se embaraçava um pouco para explicar aos amigos porque não podia dormir fora de casa e as vezes sentia um pouco de peso na consciência quando ouvia a mãe brigando com o pai sobre o atraso matinal, mas seu segredo permencia inviolável. Pretendia quebrá-lo um dia, assim que encontrasse a mulher certa para dividir seu pequeno paraíso. Até hoje, nenhuma de suas namoradas lhe convenceu de que estava pronta. Não que tivessem sido muitas, é verdade. A última terminou há pouco mais de uma semana. Insensível! Talvez devesse ter lido mais o horóscopo. Lembrou-se dos olhos vividos da mãe olhando o pai toda vez que ele contava a história de como eram opostos complementares. Desenrolou o jornal. Voltou a enrolá-lo. Viu o sol, que ascendia lentamente por cima das ondas e aquecia mansamente (não timidamente, porque não há astro mais desinibido que o sol) os preguiçosos grãos de areia da praia. Sentiu os primeiros raios de luz acariciarem seu rosto. Abriu um sorriso que quase chegou a uma risada. Aquilo era tao revigorante quanto uma boa noite de sono. Seu dia dificilmente poderia começar melhor.

Adimplencia
Enviado por Adimplencia em 21/03/2015
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