Agora corre pro laboratório...

O olho esquerdo e o lábio superior, de repetente, do nada, começaram a tremer se esticando para o lado esquerdo. Em seguida a maçã do rosto, também do lado esquerdo da face, seguiu os movimentos do lábio e do olho, que agora eram seguidos pela boca inteira, que sofria puxões enormes e dolorosos, quase a encostando na orelha. Então tudo foi entendido. E, no afã de ser socorrido, começaram-se os gritos intensos, porem poucos, pois não houve tempo para mais do que dois, compreensíveis:


- Estou tendo um derrame, estou tendo um derrame, estou tdfrgtdoobherme...

E cessou-se a capacidade de expressar-me, pois a confusão mental tomara conta de mim, que estava sentado ao volante do meu carro, graças ao BOM Deus, parado. Debaixo da palhoça duma barraca de praia. Nesse momento, de dois ou três segundos antes de minha mente entrar em colapso total, pensei que tudo acabaria ali, daquela forma tão melancólica. E só tive tempo de trazer minha mulher à mente, onde me perguntei: e agora, o que será dela? Nem de pedir perdão ao Criador, pelos meus pecados, hveria tido tempo se fosse de fato o fim.

Ao me ouvir dizer, ou tentar dizer, o que estava acontecendo comigo, ainda pude ouvir uma amiga, que se encontrava ao pé da porta do carro conversando comigo, gritando outro amigo para que me acudisse meio que dizendo corre aqui, que eu não sei o que fazer.

Algum tempo depois, não sei quanto, com a mente mediamente recomposta, vi um deles tentando me fazer beber um gole d’água no gargalo duma garrafa, me provocando um engasgo, mas que, sem poder falar, teve o recipiente rejeitado por um sopapo meu, pois aquilo me faria piorar. Em seguida, com gestos, acho, pedi para que me pusessem fora do carro, sentado na areia, agora, porém, desencadeando uma leva agressiva de reações, e contorções, já que ainda não me saia a voz, pois todos tentavam proceder ao socorro da forma que não só não estava ajudando, mas complicando ainda mais o quadro, pois não conseguia respirar na posição em que insistiam em me manter, quando comecei a me debater apavoradamente – era a absoluta falta de ar. Até que, pela misericórdia e inspiração do Divino, alguém jogou água gelada sobre minha cabeça, quando enfim consegui falar, pedindo para que me inclinassem para frente. Onde tudo foi se normalizando aos poucos. E respirei, em fim.

Antes de voltar ao normal, ainda durante a aflição, depois de ‘acordar’, mesmo sem poder falar estive consciente por todo o tempo e vendo alguns amigos e amigas apavorados, uma delas chorando com as mãos na cabeça, girando em torno de mim, e outros, acho que por não saberem o que fazer, meio afastados, mas todos dividindo comigo a minha agonia. Com o evento, aliás, acabei por descobrir que os que me gostam são infinitamente em maior número que os que me odeiam.

Não sei exatamente quanto tempo estive desacordado ou fiquei ali, uma meia-hora, talvez, até que um corajoso teve a atitude de dirigir meu carro – que é adaptado para um tetraplégico - meu caso, mas que não oferece dificuldade alguma para que uma pessoa fisicamente perfeita o conduza, mas que intimidou a turma ao meu derredor a dirigi-lo – e me socorrer bem mais cedo.

Passei por três unidades médicas naquele dia. Mas, mesmo com os sintomas vividos e os depoimentos sobre o que passei, só na visita que recebi da minha médica, doutora Virginia Aroucha, é que soube o que provavelmente eu havia sofrido: um AIT – Acidente Isquêmico Transitório. Ou mini-derrame. Que é uma porta para o tão temido AVC – Acidente Vascular Cerebral, se os cuidados necessários para evitá-lo não forem tomados - entre todos, o distanciamento do estresse - meu trivial nos últimos meses. 

E, considerando o pânico vivido e a iminente possibilidade de dependência de terceiros, somado à queda vertiginosa da qualidade de vida a que pode ser submetido a pessoa que sofre um problema de saúde dessa ordem quando irreversível, e que jamais tive qualquer 'aviso' de que esse alerta, doloroso e agonizante me ocorreria, mas ocorreu, é que estou aqui lhe aporrinhando com esse texto.

Sim, aporrinhando, por que ainda que não seja o seu caso é de muitos; e para quem despreza o valor duma pequena seringa de sangue enviada a um laboratório, quando se fala em saúde preventiva, e aqui o sentido é generalista – e não apenas reportado ao caso em específico ou só a quem já 'amadureceu', a gente, se achando o rei-da-cocada-preta no que se refere a estado físico e mental, só pára para escutar a respeito quando leva um puxão do lado da cara, que leva a boca a fazer uma visita à orelha, e se vê sentado na areia duma praia qualquer, rodeado de gente ainda que amiga mas que, sem saber exatamente o que fazer para socorrê-lo/a, apenas corre dum lado pro outro, enquanto se implora ao Criador por um sopro de oxigênio nos pulmões. É por isso a 'aporrinhação'.

 

Agora corre pro laboratório...

... ou para Apocalipse 3;3