EL CID E OS ACHACADORES
Antes, de acordo com Lula, eram 300 picaretas. Agora, na avaliação de Cid Gomes, são 400 achacadores. Vinte e dois anos se passaram entre as duas declarações. Daí, a atualização do censo e a revisão da nomenclatura. Certamente, o ex-ministro sacou que a antiga denominação – picareta – não fazia jus à ferramenta que é sinônimo de trabalho e suor, e não tem nada a ver com salários nababescos. Percebeu também que, depois de constantes aperfeiçoamentos (anões do orçamento, mandato de cinco anos, esquema PC, reeleição, privatização, mensalão, petrolão), era natural o aumento de adesões nesse clube, perfilando-se os recém-chegados com os sócios honorários e os membros vitalícios. Acredito que foi por isso que Cid – o Breve – preferiu a expressão achacadores e chegou ao número 400. Isentou apenas um terço do Parlamento.
Terá ele razão? Eu não sei, mas o arroubo do El Cid brasileiro poderá deslanchar a sua carreira política, como aconteceu com Lula, que chegou à Presidência da República e, aí, parece que se deu muito bem com os “picaretas”, novos e antigos. Como aconteceu também com o caçador de marajás. São bravatas que capitalizam a simpatia do cidadão honesto, cansado de tantas malfeitorias ao longo da história e sempre esperançoso de que apareça um salvador da pátria.
E enquanto aguardamos os próximos capítulos dessa babilônia, que ameaça desaguar no Judiciário, espantamo-nos cada vez mais com os números que são revelados na investigação Lava Jato a cada depoimento dos envolvidos. A palavra “milhões”, de tão usada, já está perdendo o significado, o verniz. Ela sai da boca dos depoentes como se eles tivessem pedido a conta de um cafezinho na lanchonete do aeroporto. Ou como se fosse a gorjeta do garçom. Agora, já se fala em um bilhão. Melhor: um bilhão e trezentos milhões de reais, valor que foi bloqueado em mais de trinta bancos suíços. Portanto, não é gratuita a menção ao “clube do bilhão” nas investigações.
Diante desse cenário, e para facilitar o acompanhamento do caso por parte dos brasileiros, já se impõe a instalação de um corruptômetro – sugiro na Praça dos Três Poderes – à semelhança do impostômetro que existe no centro de São Paulo e em outras capitais. Assim, os números seriam atualizados automaticamente e os turistas poderiam tirar e divulgar “selfies” diante do novo monumento. Nessa atualização deverão ser incluídas – assim que avaliadas – as 131 obras de arte apreendidas na casa de Renato Duque. Tais obras, se não me engano, estão agora sob a guarda de um museu. Melhor assim. Se permanecessem em depósito judicial, haveria o risco de caírem nas mãos do juiz que cuidou do caso Eike Batista. E sua excelência poderia não resistir à tentação de colocá-las na garagem de seu prédio, para preencher a vaga deixada por um certo Porsche Cayenne, que balançou o coração do magistrado.
Como vê o leitor, tudo – ao final – se resume ao bolso e ao coração. Só que, para mim, já com os ombros vergados pelo chumbo dos anos, os dois se bastam na moldura poética de Cora Coralina:
“Fechei os olhos e pedi um favor ao vento: Leve tudo que for desnecessário. Ando cansado de bagagens pesadas. Daqui para frente apenas o que couber no bolso e no coração.”