Felizes acima do peso

Na festinha de aniversário da filha de um conhecido empresário na cidade, o jovem professor e sua esposa dividem a mesa com um amigo. Eles não têm filhos, mas vieram assim mesmo. Para cumprir o social.

O prato com coxinhas, empadas e canapés acaba de chegar.

As crianças brincam no parquinho, longe dos pais, que nas dezenas de mesas espalhadas pelo enorme salão colorido e cheio de balões conversam ao som de Xuxa e Patati Patatá.

O professor olha para a sua linda e jovem esposa – cabelos negros, lisos e brilhantes, pele clara, de uma palidez de conto de fadas – e sente no peito uma dor difícil de explicar, porque não dói: algo como uma nuvem negra e fria se contorcendo entre o coração e os pulmões, indo até a garganta e voltando, indo e voltando, lentamente: a angústia.

A esposa não conversa. Observa os amigos do marido com desprezo. Não sabe o que está fazendo ali, nem por que está casada com um professor pobre e acima do peso. Justo ela, que é tão magra, linda e saudável, e ainda por cima de estirpe nobre, pois seu pai, embora falido, é tataraneto do Marquês de Itamaracá.

Na opinião de algumas colegas de trabalho do jovem professor, aquela barriguinha inflada esticando a camisa de malha tamanho M (que a esposa insiste em fazê-lo vestir, quando está claro para todos que a GG é a única possibilidade) é um charme a mais, tornando-o até mais bonito e sexy. Mas sua mulher não concorda com isso de jeito nenhum. Quer vê-lo magro, sem barriga, sem bunda, sem coxa, sem aquele harmonioso preenchimento de gordura que disfarça os ossos salientes do rosto, tornando sua face mais redonda e alegre – e mais atraente, na opinião das colegas. Quer vê-lo na balança digital do quarto todos os dias, anotando o peso, calculando o Índice de Massa Corporal e as calorias ingeridas.

A caminhada é um ritual diário sagrado na vida do casal. Pelo menos para a mulher. Porque para ele é uma tortura das mais difíceis de suportar. Ele simplesmente odeia cada segundo passado na avenida, onde caminham todos os dias, faça chuva ou faça sol: eles estão lá, no mesmo ritmo, a passos largos, rápidos, em silêncio: um silêncio pesado e triste, que ele preenche conversando baixinho consigo mesmo, preparando aulas, imaginando-se longe dali, em qualquer outro lugar, comendo um pastel, um crepe ou uma torta de limão.

Mas, como eu disse, o prato com coxinhas, empadas e canapés acaba de chegar.

Com um olhar fulminante, a esposa faz o marido se lembrar do pacto selado entre eles há duas semanas: nada de gordura, fritura e açúcar. Discretamente ela lhe faz um sinal com a mão, mostrando-lhe a bolsa de couro que ela traz no colo, onde duas barras de cereal se encontram sequinhas, durinhas, com seu gostinho inconfundível de capim seco.

O combinado era que quando a fome apertasse, ele pegaria discretamente uma das barras e se dirigiria ao banheiro para comê-la. Simples e prático.

Mas o jovem professor decide fazer diferente. Olha desafiador para a esposa (que o encara com frieza) e lentamente pega uma coxinha. Não é daquelas coxinhas vagabundas, frias e emborrachadas, que viram uma pasta sem gosto na boca antes mesmo de se misturarem à saliva. Não. É coxinha frita na hora, firme, sequinha por fora, com recheio abundante de frango e catupiry.

Ele dá a primeira mordida. Sente seus dentes quebrarem a fina capa crocante e penetrarem lentamente a maciez tenra da deliciosa massa recheada. E nesse momento de sublime deleite, um pouco de catupiry escorre pelo seu queixo. Ele sorri e passa o dedo no queijo, que leva à boca, sorvendo tudo com um estalar de língua molhada que faz a esposa tremer de indignação e ódio no mais íntimo do seu ser.

Os olhos da mulher estão em chamas. Mas ele continua.

Um canapé inteiro desaparece na sua boca de uma só vez. E outro. E mais outro. Mais uma coxinha. Uma empada. Um copo de coca-cola bem gelada (da legítima, com açúcar). E outro. E mais outro. E mais uma coxinha. E depois dos parabéns, uma mão cheia de doces, sob o olhar atônito da esposa (que não acredita no que vê). Do bolo ele come dois pedaços, saboreando-os com uma alegria de dar gosto.

O olhar resoluto e frio da esposa diz tudo. Ela se levanta e, sem se despedir, desaparece da festa.

Ao chegar em casa, o professor descobre que a mulher foi embora levando todas as suas roupas e objetos pessoais. Dois dias depois ele recebe a visita de um advogado, que lhe explica todos os detalhes do divórcio. Ele aceita tudo sem reclamar.

Finalmente está livre.

O divórcio deixa-o mais pobre e um pouco mais gordo, mas muito mais feliz.

Três semanas depois ele começa a namorar a nova professora de Biologia do colégio, uma mulata linda de morrer, cheia de carne para pegar e de amor para dar. Comem de tudo, reservando as guloseimas mais calóricas para os finais de semana, e exercitam-se na cama quase todas as noites, o que ajuda a manter o excesso de peso num nível aceitável.

Formam um casal perfeito. Acima do peso. Mas felizes... Muito felizes.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 20/03/2015
Código do texto: T5176728
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