Inocência e castigo
“Falta muito para que a inocência tenha tanta proteção quanto o crime” (La Rochefoucauld)
Um dia alguém pensa assim. “Vou à manifestação de domingo só para mostrar uns malucos e provar que tem muita gente lá que não entende nada de política”. E realmente vai, e começa a entrevistar algumas pessoas, de preferência aquelas que mais contribuem para o propósito de desqualificar a manifestação. Lá pelas tantas, dá de cara com Fernanda – a simpática Fernanda, de 17 anos, e que trabalha em um escritório.
Ora, esta é a primeira manifestação de Fernanda. Os olhinhos dela chegam a brilhar quando conta isso – inocente, parece esperar que celebrem o fato com ela. Mal sabe ela dos objetivos da entrevista. Primeiro perguntam por que exatamente ela está protestando. Fernanda diz que quer um Brasil melhor, porque ela é o futuro do país – e não diz muita coisa mais do que isso. Quando termina de responder, parece dizer com os olhos: “É só isso que querem de mim?”.
Mas tem mais, claro. É preciso saber se ela apóia o impeachment da presidente, e quem deveria entrar no lugar dela – pergunta que já esconde uma cilada. Mas a inocente Fernanda nada percebe, e confessa, toda sem jeito, que é uma pergunta difícil, que não entende muito dessas coisas, e que nunca votou para Presidente. Perguntam então se ela é de esquerda ou de direita, e Fernanda responde, sem nenhuma convicção, com medo de errar: “de direita”.
A essa altura já está claro que Fernanda não entende de política, mas é preciso praticar mais uma maldade: “Por que de direita?”. E Fernanda ri de nervosa, não sabe o que responder, e pede ajuda para a mãe que está ali por perto: “Mãe, por que a gente é de direita mesmo?”.
Meu Deus, a personagem perfeita! Junta-se então o seu depoimento com o de mais alguns tipos bizarros e está feito um vídeo para circular na Internet. E lá está Fernanda, exposta ao ridículo e ao vitupério nas redes sociais. E lá está a doce Fernanda, para sempre culpada de ser inocente em tempos de guerra.