MÃOS AO ALTO!

Lembro que quando me contou sobre a primeira vez em que viu uma arma Gabi disse que teve vontade de se jogar no chão e implorar para que o ex namorado, filho de uma policial sumisse com o monstrinho de aço que tirou sem querer da bolsa da mãe, e que apenas se acalmou porque ficou com pena da cara de assustado do pobre rapaz ( até agora eu gargalho só de imaginar)

E aqueles eram tempo bem menos neuróticos.

O namoro acabou acho que menos de um ano depois mais por diferença de planos do que por outros micos e a duras penas minha amiga começou a colecionar dias e noites dos quais ela não faz a mínima questão de lembrar: foi assaltada quando voltava do trabalho e teve a casa roubada duas vezes. Nunca lhe apontaram um revólver. Tá aí uma coisa da qual ela não pode reclamar.

Será mesmo?

Seus traumas se comportavam como a audiência dos programas mundo cão que poluem a tela da TV com as imagens do pior dos países para um ser humano viver. A cada manchete colorida em vermelho sangue ou narrada por vozes tenebrosas as ruas ficavam mais feias, apenas esperando uma desanimada Gabi, a próxima vítima das mudanças que se recusava a enxergar: os tempos não são os mesmos e as pessoas também não. O portão tem que ficar fechado, o silêncio da vizinhança não é mais tranqüilidade.

Gabi percorre um longo caminho para sobreviver ao pessimismo que não deseja. Tem deixado as más notícias para quem não cansa de sintonizar os canais que estudam sem parar a cartilha do sensacionalismo. Se protege do desgosto sem se contagiar pela alienação;conhece bem os perigos de onde mora, mas não se dá ao luxo de desistir.

Dez anos se passaram desde seu primeiro contato com o maior dos símbolos da violência e ela ainda se lembra da dor de estômago pelo susto, da incompreensão de quem já estava acostumado com o que para ela era o medo a se personificar. Coisas demais mudaram e apenas o jeito exagerado da minha querida permanece o mesmo. E é assim que gosto dela.

Nos sentamos à mesma mesa com nossos croissants e sucos e percebo que Gabi não tira os olhos do policial que toma café perto do balcão. Com a arma na cintura o bonitão mostra uma serenidade que nenhum batom bonito pode dar. Ela não fala nada, mas seus olhos denunciam: na luta pela calma ainda se sente violentada pelos medos com os quais não consegue lidar. Tento protegê-la com meu pouquinho de amizade.

Inocência a minha.

D.SConsiglio

Débora Consiglio
Enviado por Débora Consiglio em 18/03/2015
Código do texto: T5174867
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