Quase uma reconciliação
Quase uma reconciliação
Faz tempo que a palavra não escorre por meus dedos; estou/estava preocupado. Na verdade, ela está/estava com pena do suor que é derramado em vão por mim. A palavra, antes minha companheira, virou refém da minha labuta diária.
Ela que sempre foi livre e me ofereceu a liberdade, vive algemada no discurso metrificado do dia a dia. Já não sou o autor. Que me perdoe a Palavra. Toda desculpa é pouco para quem se entregava nua e crua, a qualquer hora e em qualquer local, sem os pudores paradigmáticos de uma estrutura.
Mereço todo o silêncio que ela oferece. Mereço toda essa ausência. A vida me apedrejou com as pedras que não foram atiradas em Madalena e vejo a palavra chorar feito Madalenas arrependidas. A palavra chora por mim; choro pelos longos hiatos entre mim e ela.
O texto escorre pelas mãos, devagar. Tudo que não tinha tempo, tudo passou a olhar o relógio. O despertador me adormece; vivo sonolento. Eu vivia uma heterotopia; hoje, vivo no descanso do mundo. A palavra que fazia correr pelo idílio, não me quer mais um nefelibata. Aprendi a cortar as asas e tropeçar nos rascunhos produzidos por quem não sabe descer ao limbo e recolher cada léxico. Vivo de restos medíocres e migalhas de sentidos.
Ao poeta as rosas negras; às palavras as lágrimas furtivas. Tudo está repleto de borrões e rabiscos; o analfabeto adora ler tais textos e eu, filho e amante da palavra, finjo entender o emaranhado para produzir o discurso que faz sentido para quem não quer sentir. Sentir não faz sentido.
Todo silêncio ainda é pouco; mas, por favor, palavra, não demore muito tempo de me visitar, pois só você consegue ler o que eu nunca, nem jamais escrevi e escreverei. Somos a interpretação perfeita; a exegese .
Mário Paternostro