O CARA DO SAX

O CARA DO SAX

Estava ouvindo a música Just The Way You Are, de Barry White, em que o saxofonista fazia um alucinante solo. Arrepiei toda. Fui jogada para o início dos anos oitenta, lá pelos meus treze anos de idade. Lembrei dos anos em que todos os dias, pontualmente ao meio dia, meu vizinho dos fundos tocava sax. Era uma hora, batida de relógio, de música instrumental. Uma hora de puro deleite para meus ouvidos, coração e meditar, ao delicioso som do sax.

Eu estudava a um quarteirão do edifício em que meus pais moravam. A última aula tocava às 11h30min. Corria, pelos atalhos, para chegar ao apartamento. Lembro-me que ao adentrar-me ao lar, arremessava a mochila preta com desenhos de Rock and roll - cheias de bottons dos Rolling Stones, Beatles e Elvis Presley em cima do sofá cinza; saia tirando o tênis pelo corredor e me jogar na cama do último quarto, acomodando a cabeça no travesseiro, para esperar o concerto musical de todos os dias. Meu quarto era o lugar mais próximo da casa do vizinho dos fundos. O nosso “apê” era térreo. Nos fundos do condomínio havia um grande e alto muro, separando-me da casa do cara do sax.

Foram incansáveis e incontáveis vezes que subi na janela do meu quarto, na ânsia de ver o cara misterioso, que tocava sax, e me encantava. Acho que nessa época eu conheci o amor platônico, paixão por alguém a quem eu nunca conheci. Até hoje tenho ele povoando o meu imaginário... Ele deveria ser uma cópia moderna de Elvis, branco, cabelos negros, forte e de braços musculosos, devido ao exercício contínuo de segurar o sax.

Foi nessa época que sofri grandes influências musicas, alterando-me o gosto de “Eu quero me trepar num pé de coco...” que tocava na vitrola da minha mãe, impregnando o apartamento, meus ouvidos e juízo com as músicas de Messias Holanda à influência da musica negra, do blues, jazz e soul, ao som de Elvis, Ray Charles, James Brown, Aretha Franklin, Barry White dentre outras estrelas de belíssimas vozes.

Passei, algumas vezes, pela rua dos fundos do prédio. Olhava as casas e imaginava seus moradores. Procurava em suas fachadas, alguma característica que apontasse que ali residia o músico do sax. O tempo passou. Nenhuma nota musica desenhada nos muros ou paredes das casas. Não conheci o cara que me apresentou a boa música. Que me fez ouvir o som, que tinha o poder de ultrapassar os concretos dos muros e paredes das casas e edifícios, para acomodar-se em meu coração. Músicas que tocavam a alma, sons que saiam da alma.

Flávia Arruda 17/03/2015.