DIA DA POESIA: DEVERIA SER O DIA DA CRIANÇA

Dia 14 de março, para os desavisados, é considerado o dia nacional da poesia. Confesso que nunca havia pensado nisso, soube por uma amiga que me propôs o desafio de tentar evidenciar o que ela representa (ao menos para mim).

Não, amigos! Não sei ver as coisas como coisas. Coisificar as pequenas verdades do mundo é a primeira maneira de perdermos o poético. Willian Blake, o poeta, já nos advertia: “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê.” Por isso que as crianças são sábias, elas têm mil olhos. Para os pequenos, naturalmente, todos os elementos do universo, mesmo que vistos por muitas vezes, são únicos e não estão à deriva em nenhum mar de “rotinação” a que estamos acostumados, tão acostumados que elas envelheceram junto conosco até que nos tornemos cegos completos.

Conto minha primeira experiência poética:

Anos 80, eu devia ter por volta de uns cinco ou seis anos. Naquele dia, feliz da vida, meu pai resolveu me presentear com um relógio de plástico. O bonito era de verdade, sua marca era Casio (mais tarde aprendi que não se pronuncia “Cássio”, mas “Cazio”, sabe como é, quando o “S” está entre duas vogais o som acaba se “zeificando”). Dessabido disso – ainda nem sabia ler –, jurei que se um dia tivesse um filho ele se chamaria assim, de tão contente que fiquei com aquilo. Se eu conhecia as horas? Não, não conhecia. Mas eu era criança e o tempo é plural quando somos pequenos. Explico: há muitos tipos de tempos naqueles meninos que fomos. A cada minuto éramos um novo de nós mesmos – ainda somos. Só andamos meio esquecidos.

Animado com a minha animação, meu pai então resolveu me levar até o centro da cidade para comprarmos, agora, uma calculadora. Para a situação e para a época era um presente maravilhoso. Parece pequeno, não parece? Mas a coisa toda aconteceu durante a viagem até lá. Acomodado no banco-carona de uma velha ‘monarque’, fui contemplando aquelas arquiteturas gigantesca. A cada esquina meu “velho” olhava para trás e apontava alguma coisa nova. Como as casas eram grandes e as ruas largas, quase sem fim! Parecia até uma aventura daquelas de filme. O encanto exigia muito mais do que um par de olhos. Nem pensei mais na maquininha. A epopeia pelo “velo de ouro” (a calculadora) era melhor, maior. Acho que foi minha primeira grande viagem para fora de minhas “brincriações” solitárias de garoto.

Se hoje sou essa pessoa “voadora” e que não sabe escrever nada objetivamente, devo isso aos meus pais. Mesmo passando por frias bem grandes e trabalharem como mulas, não me deixaram sentir nada disso. Nem da moeda da época sou capaz de lembrar, porém, como uma fotografia, posso ver nitidamente o contentamento dos olhos daquele homem me mostrando o mundo enquanto pedalava para o infinito cujo destino era uma lojinha de Paraguai.

Hoje as coisas ficaram pequenas, menos coloridas. Continuo passando pelas mesmas ruas de antes, só que não do mesmo modo, a frieza da rotina me fez olhá-las com indiferença. Cresci tanto que só agora me dei conta de que tive um mundo bem maior naquele banco-carona de bicicleta...

Dilso Santos
Enviado por Dilso Santos em 16/03/2015
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