Coitados dos Ricos!

«É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus».

Quantas e quantas vezes escutei essa frase em criança? Na altura, na minha santa ingenuidade dava o caso como assumido e nem me questionava do porquê. Era assim porque sim e ponto final.

Um dia como tantos outros e uma série de anos a mais, comprei lotaria e como quem compra sonha em ganhar, eu também sonhei. Então, lembrei da frase ouvida dezenas de vezes em menino, mas agora, pensava que se tratava de uma praga lançada por alguns despeitados e invejosos.

Deitei-me e, enquanto pegava e não pegava no sono meditei muito no que faria se fosse rico. Veio logo ao de cima o meu bom coração (não se riam porque é verdade) e então, comecei por dar uma quantia a este, outra quantia aquele e quando dei por mim já pouco me restava. No entanto, para todos os efeitos eu continuava rico.

O dinheiro com que fiquei já era pouco, todavia, os pedidos para isto e para aquilo não paravam. Até o senhor prior se lembrou que a igreja precisava de obras. Quando argumentava que não tinha dinheiro, ofendiam-me de toda a maneira e feitio: Que era um mau cristão, um avarento, que já não me lembrava da pia onde comera, que já esquecera o que era fome, que aqui se fazem aqui se pagam, que o dinheiro que tinha fosse todo derretido na farmácia ou no hospital, etc., etc.

Esta vida de rico começou a ser um inferno. Era constantemente assediado por todo o género de pedintes sem lhes puder valer. Até que um dia, um malvado repete aquela história de que era mais fácil um camelo passar pelo buraco duma agulha do que um rico entrar no reino dos céus. Isso já era demais. Caramba! Dera mais do que seria exigido e mesmo assim passei de uma pessoa cumprimentada por toda gente, a um malandro que já se esquecera o que era miséria.

Incapaz de sossegar, matutei toda a noite neste problema. Não aguentando mais, levantei-me e fui-me ao bilhete e zás… esperem aí! Não, não o rasguei porque o que não desejo para mim, também não desejo para os outros. Nesse caso, se o meu destino é ir para o inferno, que seja. Porém, vou, mas vou rico. Ao que parece é para onde vão todos os ricos, os libertinos, os amigos da vadiagem, os amantes das coisas belas e das festas sumptuosas sem qualquer preocupação de que a gula e a a luxuria sejam pecados. Tudo aquilo que nos divertia em novos mas condenável no ponto de vista da igreja. O Inferno não será assim tão mau, uma vez que é para lá que vai gente que passou a vida a viver à grande e decerto não mudará de hábitos quando partir. Talvez seja um bocado quentinho, mas quem sabe se não consigo comprar lá um lugarzinho com ar condicionado.

No outro dia andou à roda, e sabem o que vos digo; continuo um sério candidato a um lugar no paraíso.

Lorde
Enviado por Lorde em 16/03/2015
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