Ela entre nós

Não sei como ele consegue ser tão frio assim. Ele diz que me ama, e que o enlouqueço mas me acusa de ciumes e possessão, talvez exista verdade nisso, mas se há também há razão.

As vezes ele se ilha e silencia-se por tanto tempo que quando retorna eu já preenchi todo o espaço do que não foi dito com minha infame imaginação.

Como eu poderia não sentir ciúmes do olhar que ele lança para ela?

Eu preparo para nós um jantar e torço para que ele me devore com o mesmo apetite. Me visto com delicadeza e o deixo me despir voraz e apaixonadamente. Depois de nos amarmos eu o abraço e o trancafio com força entre as minhas pernas, mas após um breve momento eu sei que ele vai se levantar, abrir as janelas e então o cigarro é apenas uma desculpa para se distanciar. Dali a mais um pouco seu olhar se esgueira procurando e procurando e procurando por ela enquanto eu estou logo ali.

Quando saímos entre amigos, tomo-lhe as chaves quando começa a brigar porque descruzei as pernas, porque o vestido está curto, porque um ex namorado respira no mesmo lugar... Quando chegamos em casa, se lhe repreendo ele sobe até o terraço como se eu não soubesse com quem foi falar.

É ela.

As caminhadas acontecem sempre à noite, e eu sei ele não dorme sem que a veja.

Eu odeio aquele brilho em seus olhos, eu odeio o tempo que ele dispende com ela e não comigo. Eu odeio a existência dela e que seja tão radiante e bela e o pior: sem o menor esforço, sem a menor pretensão. Eu odeio a previsibilidade dela, a sua constância e a segurança que ela pode lhe oferecer, e a odeio porque sou louca, sou instável, imprevisível e porque me esforço para merecer-lhe a atenção.

Então é ela e não eu.

Invento uma viagem a dois, ele vai à sacada atender o telefone e se perde além da chamada, além dali, alem da paisagem, ele se perde nela outra vez. E então não importa onde estejamos ela também está. E quanto mais belo o lugar mais a presença dela se ressalta entre nós. E aí sou eu.

Eu me rendo. Que ele a tenha por amante então. Eu a amarei também.

Descanso diante daquela visagem e permito que a lua seja nosso ponto de encontro e não de separação.

Ela está lá para mim também, ela cresce, míngua, enche-se e me torna uma mulher nova.

Ingrid Fernandes
Enviado por Ingrid Fernandes em 15/03/2015
Reeditado em 15/03/2015
Código do texto: T5170677
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