MUTAÇÕES

Há dias noto que minhas penugens começaram a cair. Percebo que é uma queda morosa. Um a um, frouxéis vão flutuando no ar em câmera lenta. Coração em conflito, divido-me entre o desejo de voar e o medo de cair.

Quero deixar meu ninho lúgubre de pássaro órfão que se alimenta do nada, sem ter ninguém que o aqueça nas noites frias. Desconfiada, espio de soslaio a estranha mutação. No lugar da penugem, nascem penas fortes, convidando-me a sair em busca da liberdade. O medo da queda ainda me prende. Se falho, sei que não tento mais, que desfaleço triste e só em meu abrigo de melancolias.

Algo me diz que a tempestade está passando, que é tempo de recomeçar. Sinto que me fortaleço aos poucos. Muito lentamente, entre altos e baixos, já consigo ver alguma diferença. Um dia destes, quando eu menos esperar, hei de estar sobrevoando minhas próprias angústias e fobias. E me encherei de esperanças ao ver que, vistos do alto, esses medos se tornam tão pequenos que não me dominam mais.