Just imagine...
O povoado de São Gonçalo do Brumado dos anos cinquenta não tinha uma rua calçada sequer. Mas tinha a linha férrea, a jardineira e a fábrica de tecidos. O gerente da "fapa", sô Afonso, era como um prefeito e, pra muita gente, quase perfeito. Atlético, jovial e paternal, casara-se com uma filha do dono da Companhia, uma bela Helena, e viver, valia a pena.
O casario todo, os empregos, o operariado em seu dia a dia, tudo pertencia à Companhia que panos pra manga produzia. O salário mínimo
equalizava todos e, quando por vezes se atrasava por uns dias ninguém conspirava ou se rebelava.
Uma igrejinha de São Gonçalo, a estação ferroviária, o campo de futebol e a escola satisfaziam os interesses do logradouro. O comércio, na sua espartana modéstia complementava esse quadro com uma venda, um bar e um açougue. Ou dois? Vou ao google depois...
As casas eram, em sua larga maioria, padronizadas na singeleza de sala, dois quartos e cozinha, que cada família ocupante podia expandir, se economia tinha. Puxar crescente, era a expressão mais corrente. Umas oito ruas ou ruelas e uma praça compunham a planta urbanizada do lugarejo.
As composições férreas, de passageiros à época, passavam diariamente, uma subindo um dia, na direção de BH, e a outra, descendo no próximo, rumo a Bom Despacho. Apitavam, esfumaçavam e cheiravam aquela energia que revigorava corações e mentes. Na parada do trem, juntava-se uma chusma de observadores, espiando os passageiros em suas janelas, a quem era ofertada certa gama de comestíveis, dos canudos e cartuchos, aos confeitos insuspeitos.
A arborização não era o forte daquela industriosa gente. E era uma benfazeja visão uns ciprestes em estágio arbustivo que ornavam a porta da casa de vovó e sua filharada solteira. Já os quintais, compensavam razoavelmente essa insuficiência frontal: mangueiras, abacateiros, hortas e algum jardim alegravam o ambiente. Meus pais pontificavam nesse quesito, com a adição de amoreiras, parreira, limoeiro, laranjeiras, cidreira e até macieira e marmeleiro, sem contar o jardim, com suas roseiras e seu suave e sobranceiro jasmineiro.
E o cinema? Improvisava-se um, a partir de um alpendre, projetando-se na parede de um casarão - tipo pensão, que era por todos conhecido como o convento - no lado oposto da rua. E as cadeiras, de casa se as trazia, com o consolo da falta de bilheteria. Foi lá que vi, incrédulo, aquelas cenas comoventes do sacrifício de Santa Maria Goretti, em defesa da castidade. E as estrelas pareciam parar no céu para acompanhar com a gente o desenrolar daquele drama.
As procissões da semana santa envolviam praticamente toda a comunidade, que tanto no gozo quanto na paixão, reuniam-se em mutirão para decorar as ruas por onde o Cristo ia transitar, dos Ramos
até o seu ressuscitar.
A preparação para o Natal era aquela antecipação de felicidade geral. Subia-se às janelas para se espiar os presépios, saía-se à rua para a exibição dos presentes, numa cena de alacridade e bem-aventurança que, quiçá, vista por John Lennon, permitir-lhe-ia adicionar uma estrofe ao seu Imagine.