Pagando língua
O pessoal do prédio fica falando mal de mim sem razão.
Dizem que sou turrão, implicante e que tenho tolerância zero. Uma coisa é observar o que realmente acontece no prédio, outra é ser fofoqueiro e intrometido como me chamam.
Essa gente não sabe de nada e quer falar de tudo. Eu não, eu fico sabendo para interagir, para melhorar o convívio entre os moradores. Agora olha só se eu não tenho razão de falar.
Um dia destes me deu vontade de comer alguma coisa, olhei para janela e flagrei o meu vizinho me bisbilhotando. Fica o tempo todo me espreitando quando vou à cozinha.
Tem um outro, que mora no bloco da frente, que sonda todos os meus movimentos dentro do apartamento, seja a hora que for. Fica imóvel no escuro. Parece uma salamandra e esconde-se até entre as roupas estendidas no varal. É um perito em camuflagem.
O que mora no terceiro andar parece um relógio cuco. Observa todo mundo que está chegando, saindo, indo para piscina ou andando no pátio do prédio.
Tem uma que lava o peitoril da sacada e joga água nos doze andares abaixo. Deixa os vasos na mureta sem a proteção de tela. Qualquer hora ela mata um no térreo.
Os moradores do 122 possuem uma peculiaridade diferenciada. Fazem questão de publicitar a todos, em alto e bom som, suas aventuras sexuais. Interessante frisar que após esse expediente “noturnico” ele faz um fechamento com um grunhido semelhante a dobradiça emperrada de porteira de roça. É algo sui generis.
Os meus vizinhos de cima são uns terrores. Eu não sei o que aquela mulher tem para fazer tarde da noite com sapato de salto. É um toc...toc...toc pra lá e pra cá no teto do meu apartamento capaz de enlouquecer e brochar o sono de qualquer um.
Tem noite que estou num soninho gostoso e escuto uma cachoeira despencando. Na sequência, um infernal som da descarga.
Bem mais acima, não sei precisar exatamente o andar, tem um sujeitinho que durante o banho dá uma assoada de nariz cujo som ecoa por todo o condomínio. A impressão que tenho é que ele quer colocar todas as suas vísceras para fora numa única assoada. Acho que ele é o mesmo que sai de madrugada para trabalhar com um radinho de pilha ligado e despede-se do porteiro em voz alta: “bom dia pra nós todos né Seu Roberto?”, e malha o pobre do portão. Suas palavras e o som do portão, não batem com a minha possibilidade de ter um bom dia. É impossível.
A questão mais complicada mesmo eu estou passando com a vizinha do 104. Ela simplesmente vai para a lavanderia, despe-se e coloca a roupa diretamente na máquina de lavar. Ela fica me olhando, me manda um aceno de mão, dá um sorriso e sai. Parece que ela lida muito bem com essa questão e demonstra ficar muito a vontade. Acho que isso ocorre por uma tremenda coincidência quando ambos vão para esse mesmo local. Nada premeditado, mas ultimamente tenho visto bastante ela nuazinha por ali. Eu imagino que...
- Benzinho deita de lado!
- Ummmmmm...?
- Deita de lado meu amor...você está muito agitado, além de roncando e falando muito alto. Acho que está tendo um pesadelo.
- Estou é? É, você tem razão…estou mesmo. Horrível!
- Ainda bem meu amor que nós moramos em casa térrea. Se morássemos num apartamento talvez algum morador já estivesse incomodado e reclamando de você....
- É verdade..., vou dormir pianinho...
Alberto vira-se para o canto e volta a dormir.