Quem Sou Eu?
Inventar a possibilidade de sair de mim para vaguear em liberdade sem limites foi uma das aspirações da minha infância. O problema residia na questão, ainda sem resposta: quem sou eu, enquanto dono do meu corpo? Quem, na verdade, mora neste património de ossos, músculos e sangue? Se é alguém independente e livre então não teria fronteiras e haveria de ir até onde o levassem a vontade, o acaso ou o capricho. A criança que fui, no entanto, nunca quis ir , à aventura, sozinha sem o corpo e o corpo, preso com uma linha à perna da mesa da sala, só através de quem manda na carne viajava. Foram necessários muitos anos para que pudéssemos, eu e o meu corpo, afrontar opiniões e mandos. Hoje, inconciliados, ainda lutamos para definir primazias: vai o dono de mim ao concerto ou ficamos, juntos, a ver a chuva atrás dos vidros da janela? Ele até pode achar quem lhe apetece mas vai precisar de mim para as falas. No centro de um fogo que valha convém estarmos juntos e, portanto, mais uma vez, deixarei para depois a eliminação da dúvida: quem sou eu, o dono de mim mesmo?