FARINHA POUCA, MEU PIRÃO PRIMEIRO.

Esse ditado popular, que se fazia ouvir nos tempos da minha infância, nunca foi tão atual quanto nos dias que estamos atravessando. O noticiário vem escancarando, em cascata, as artimanhas da roubalheira federal que grassa, no país, em todos os extremos da Rosa-dos-Ventos. Para qualquer lado que nos viremos lá vem a saraivada de notícias sobre a ladroagem e os larápios instalados em todas as instâncias do poder e fora dele.

Ladroagem essa que não se restringe somente a valores ou bens materiais mas, também, aos da ética, do patriotismo, da moral e dos princípios consagrados que, hoje, sofrem os bombardeios tanto ideológicos quanto da ausência de caráter.

De vez enquanto, o panorama das ruas nos aponta certos detalhes, aparentemente insignificantes, que podem trazer alguma luz para clarificação do nascedouro da corrupção.

Hoje tive uma visão que apontou para esse detalhe do drama que nos aflige. Precisei ir ao banco pagar uma conta de energia elétrica e, como a idade me permite, destaquei uma senha preferencial para o atendimento no caixa.

Início de mês, todo mundo com salário depositado, a dependência em que se efetivavam os atendimentos estava insuportável, com gente saindo pelo ladrão e com velhos a dar com o pau. Minha senha foi a de número 148 e na tela do televisor a última chamada tinha sido a 111, portanto 37 viventes (ou semoventes, nem sei mais) à minha frente.

Observando o comportamento das pessoas à espera de atendimento, idosas, jovens e as de meia idade aguardavam, pacientemente, o chamamento das suas senhas. Foi, então, que tive a atenção chamada por uma criança de uns dois anos que se esgoelava num choro convulsivo e insistente, enquanto a mãe, uma jovem mulher de seus 18 anos se aboletava no setor destinado ao atendimento preferencial, sacolejando a criança como se fosse um tipo de milk-shake qualquer...

Atentando melhor para o panorama, constatei que havia outras mulheres, de idades diferentes, todas com menos de 65 anos, que traziam crianças penduradas no colo, em carrinhos de bebê, soltas correndo e gritando no meio daquele furdunço... Para desapontamento dos idosos, todas elas com senhas prioritárias em decorrência do artifício ao mesmo tempo, indecente e desleal, embora não ilegal.

Os velhos, com cara de irritação olhavam uns para os outros esperando que alguém tomasse a iniciativa de promover algum tipo de reclamação. Mas, a quem, onde, como, se isso já é uma praga consentânea?

Para completar a “melódia”, um sujeito idoso, aparentando seus setenta e mais anos, estava, há um bom tempo, ocupando o único guichê prioritário, despejando sobre o balcão uma pasta gorda de documentos para pagar. O infeliz era despachante de alguma firma e estava usando o caixa especial para desembaraçar os pagamentos da empresa da qual era servidor. Enquanto isso, aos impropérios mentais, os demais aguardavam ansiosos com os olhos fixos nos relógios.

Somente essas duas atitudes permitiram inferir que se tratava de alguma forma de corrupção, pois tanto as mães oportunistas quanto o despachante esperto cuidavam de “tirar alguma vantagem” sobre os demais, meros idosos de verdade, uns pobres pés-na-cova.

Além do transtorno que esse tipo de atitude implica aos usuários idosos, fica a leniência da gerência do banco, ao se omitir, permitindo que o guichê prioritário seja usado por despachantes comerciais travestidos de idosos para escaparem das demoradas filas nos guichês regulares.

Como conclusão, podemos apontar como atitudes impregnadas de um certo tipo de corrupção que, ao que se vê, não só é aprendida como também parece ser ligada ao próprio DNA; é coisa ancestral, genética! Afinal, não existe a tal “Lei de Gerson”?

Nessas circunstâncias, como nos surpreendermos com a corrupção que já avançou sobre os limites entre o crime organizado e a autoridade constituída mergulhando o país nesse desmonte abissal?

Como se vê, o cumprimento da lei é genético. Segundo a Lei de Gerson, tanto faz se na fila do banco, no próprio banco, na empresa estado; dependendo do lugar e da ocasião, se a farinha é pouca, meu pirão primeiro! Afinal, não é a ocasião que faz o ladrão? Ora, se é!

Amelius
Enviado por Amelius em 09/03/2015
Reeditado em 09/03/2015
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