Ecos do passado
Olhando aquela imensidão azulada, Diana não se conteve de emoção. Estava pela primeira vez diante do mar. Sempre imaginara que o mar seria assim, lera e vira nos livros do primário. Sim, aquela imensidão de águas sempre em movimento e em várias tonalidades azuladas, às vezes, tons esverdeados e sempre em movimento devido aos ventos fortes do litoral.
Criada no sertão alagoano desde que nascera, acostumara-se a sobreviver quase sem água. Bebia alguns goles para matar a sede, que na maioria só aumentava essa sede incontrolável. E como fazia falta um copo d'agua naquele pedaço e chão. Como, digamos é natural, não chover no sertão, as poucas chuvas que caiem são reservadas para fins diversos .Banho? Era privilégio de poucos. Entre outras coisas importantes, aprendera também na escola que ,por trás dessa terrível escassez de água no sertão, existe uma chamada indústria da seca, que privilegia alguns coronéis em suas bases eleitoreiras. Aprendera também que Alagoas era o Paraíso das águas. Como pessoas e animais chegariam a morrer por falta de água em um paraíso aquático? Em seus setes anos ,seria impossível entender tal situação.
Diana crescera ouvindo de seus parentes próximos que não chove no sertão e, que, seria necessário economizar cada gota d'água. Não lhe saia da cabeça a imagem das mulheres da redondeza onde morava debaixo de um sol causticante e com suas crianças magérrimas no colo, outras sendo arrastadas pela mão de suas mães, rumo aos barreiros onde restavam alguma água barrenta e fétida que dividia com os animais. Observava o lavar das poucas panelas encardidas pelo fogão a lenha as poucas vestes que conseguiam comprar, ou recebiam como doações de alguma instituições de caridade.
Essa porções de águas barrentas de onde retiravam água para suas necessidades básicas ,águas essas onde se lavavam cavalos e onde as poucas vacas magras que resistiam a seca bebiam. Provavelmente esses barreiros com pouca água suja, sempre pertenciam algum proprietário que fora agraciado ,sabe-se lá como, com um pedaço de terra com o líquido precioso. Nesse mesmo pedaço de terra, criavam-se alguns animais para garantir a sobrevivência, num lugar esquecido pelo poder público, onde não se planta porque não há chuvas suficientes para florescer o sertão e reanimar o sertanejo.
O tempo passava ,Diana crescia em tamanho e em sabedoria. Grande era sua curiosidade. Queria respostas para aquilo que não compreendia. Seria o sertão uma parte do mundo esquecida por Deus? Questionava-se sempre e não encontrava uma resposta convincente.
Aprendera suas primeiras letras com a professora Rute. Em sua meiguice e simplicidade, dona Rute era uma professora muito dedicada. Voltava-lhe a todo momento aquela cena que parecia se fazer presente. Aquelas crianças sentadas em círculos no chão de terra batida, em uma casinha humilde ouvindo com atenção os primeiros ensinamentos. Dona Rute sem recursos e sem nenhuma formação, procurava superar as dificuldades e passar um pouco de seus conhecimentos aquelas crianças sem alento, sem perspectivas, sem nada. Vítimas da fome, da seca e da ganância dos poderosos,
Não desanimava nunca. Sua força de vontade era tamanha. Tinha uma energia contagiante. Não queria perder um aluno sequer. Ia de casa em casa daqueles alunos faltosos. Conversavam com os pais, e se fosse por falta de um chinelo, de uma camisa ou outro objeto qualquer, ela daria seu jeito, fazia questão que estivessem todos em sua escola. Acreditava que ali, diante de seus olhos, estaria o futuro daquele torrão.
Limitava-se a não só ensinar o alfabeto. Ensinava também aos seus pequenos as quatros operações. Suas primeiras lições eram sobre a realidade onde viviam, acreditava que assim, seus alunos criariam o gosto tão esperado por ela pelos estudos.
Ao chegar em casa, cansada e às vezes desiludida pensava: como fazer aquelas crianças aprenderem a ler, escrever e contar quando estão com a barriga vazia? Mas determinada em sua missão não desistia. Na hora do recreio, dividia com seus pequenos o pouco que trazia de casa. Sabia que faria falta a seus filhos, sempre tinha em mente: Deus proverá.
Naquele momento, dentro daquele espaço mínimo, todos eram seus filhos e uma mãe prefere ficar com fome e divide com seus filhos o pouco que tem.
Assim passaram os anos. Diana filha única e órfã de mãe, fora criada com a avó materna, talvez por esse motivo, sempre fora a aluna preferida da professora Rute. Melhor aluna da sala, curiosa, queria saber o o porquê da coisas e não se conformava com respostas evasivas. Queria ali tudo preto no branco.
Hoje, no auge de seus 19 anos estava ali na capital dos alagoanos. Acreditando em seu potencial, dona Rute que fora quem ensinara suas primeiras letras, encorajara a entrar na Federal. Encantada ao ver o mar pela primeira vez, não acreditava no rumo que daria sua vida a partir daquele momento.
Antes de estudar na capital lera tudo que encontrava nas bibliotecas das escolas públicas onde estudara. Desde o Romance "O Quinze" de Rachel de Queirós, Vidas Secas de Graciliano, entre outros autores da geração de 30. Encantara-se quando descobriu lendo "Os sertões" de Euclides da Cunha, uma passagem que lhe chamou a atenção, quando em sua obra ele cita" os sertanejos são mais estrangeiros em sua terra do que os imigrantes europeus". Queria saber o porquê dessa declaração
e, no fundo, ela sabia. Era era uma sertaneja convicta , nunca iria desistir de ir em busca das respostas que a perseguia desde de sua infância. Queria dar sua parcela de contribuição para a transformação de eu torrão. Determinada em lutar para transformar a vida dos sertanejos, alimentava o sonho de num futuro próximo, ver a água molhar com mais frequência e intensidade aquele pedaço de chão.