Tempo de Bicho Grilo
 
 
Hoje, quando os presidentes Bill Clinton, George Bush e tantos outros até mesmo candidatos a presidentes confessam que também deram uns “tapas em mangas rosas” ou outras “cositas mas” bem menos recomendadas e, principalmente, por estarmos vivenciando um período de descriminização do uso da “cannabis”, eu confesso, também dela fiz uso em minha longínqua juventude, mesmo que por pouquíssimas vezes, contrariando o pensamento de muitos que me julgam ou julgaram um consumidor habitual, o que terminantemente não fui ou sou.

A bem da verdade, devo igualmente confessar, era mais adepto do uso de lança perfumes, obtidas através de amigos que iam especialmente à Argentina buscá-las nos períodos précarnavalescos, já que lá a dita cuja é considerada como aromatizador de ambientes e aqui é proibida desde os bons tempos da Rhodia. Assim mesmo, as usava em ocasiões bem especiais e, também, de uma forma toda especial, juntamente com os amores da época ao fazermos amor, nos instantes preliminares aos orgasmos, em que pese todos os riscos aos corações – cheirava-se o lenço quando sentíamos que estávamos quase o atingindo e conseguíamos multiplicar aqueles momentos de “petite mort” ao infinito, somente perturbados pelo tum-tum-tum distante que insistia em ressoar em nossos ouvidos.

Depois, como o ser humano é um ente em constante evolução, mutatis mutandis, já em outra fase evolutiva e que se mantém até os dias de hoje, descobri o suave enlevo e delícias dos olores e sabores da mulher amada, cujas sensações são mais permanentes e, reconheço e igualmente confesso, infinitamente mais prazerosos. Soubesse a juventude de hoje esta verdade, certamente estaríamos vivendo períodos bem mais calmos e sem tanta violência e, principalmente, repletos do sentido de nossas vidas que é o Amor.

Em defesa daquelas experiências com a maldita cannabis, lembro aos que me lêem que vivi minha saudosa juventude justamente no apogeu do movimento hippie, na década de 60, vendo o nascimento dos Beatles, Rolling Stones, Joe Cocker, Elvis Presley, Chubby Checker, Janis Joplin e tantos outros ícones e assistindo, mesmo que de longe, os acontecimentos de Woodstock e participando até mesmo do festival de Guarapari, em Três Praias. Assim, tinha todos os ingredientes e apelos para filiar-me ao clube dos amantes e adeptos da erva, o que não fiz, felizmente, pela ocorrência de um fato marcante.

Por ter sido para mim de extrema valia, uma experiência maléfica que fez com que a abominasse e por crer que poderá servir de exemplo a tantos outros ainda jovens que se aventuram em busca destas descobertas, permito-me relatá-la:

À época, morava em Niterói e faltavam poucos dias para meu casamento. Tinha uma vida relativamente simples, desfrutando de uma situação estável trabalhando na Petrobrás e, como sempre fazíamos, eu e minha noiva íamos todos os domingos à A.A.B.B. desfrutar da piscina e das demais atividades do clube. Durante uma partida de voleibol, um amigo ofereceu-me uma porção de marijuana, “manga rosa” segundo ele, isto é, erva de primeiríssima qualidade que trouxera do nordeste, sugerindo-me experimentá-la – e eu a aceitei, guardando-a para mais tarde.

Após levar minha noiva em sua casa, fui a minha para tomar banho e preparar-me para almoçarmos, pois depois iríamos a uma sessão de cinema. Já a tinha experimentado por uma única vez antes (a ela, a marijuana e não a minha noiva) e, devo confessar, detestei-a – não senti absolutamente nada do que diziam ser seus efeitos de me ver transportado para uma nova dimensão cheia de luzes e cores, com música celestial ecoando em meus ouvidos.

Cheguei em casa, desembrulhei-a calmamente e curti-a devidamente, após separar as poucas "berlotas" e antes de entrar no banho. Por ser um eterno romântico, sempre tive o costume de cantar durante estes momentos, porém, daquela feita, o canto pareceu-me bem estranho, pois eu me ouvia cantar como se fosse uma outra pessoa que o fizesse. Estranhei um pouco aquela situação, enxuguei-me e postei-me defronte ao espelho para fazer a barba. Ao me ver ao espelho, contudo, a fisionomia que ali se mostrava não era a com que estava acostumado ver todos os dias – era uma face horrenda, com sulcos de rugas e cicatrizes por toda sua superfície. E chorei copiosamente, tomado por uma tristeza imensa e profunda, não conseguindo me reconhecer e como que hipnotizado pela imagem refletida.

Apressadamente, vesti a roupa, simplesmente uma camisa e bermudas, nos pés uma mera sandália e desci às ruas, caminhando sem rumo em busca de quem se dispusesse a me ajudar. Pedi auxílio a dois casais que passavam próximos e eles se afastaram, rindo de minha aflição e deixando-me sozinho com minha solidão e desespero. E continuei minha caminhada sem destino, pois nem mesmo sabia onde estava e muito menos para onde estava indo ou para onde deveria ir.

Agora, já não mais era somente eu, pois sentia-me como se fosse duas pessoas, uma atrás da outra, próximas porém distintas, com pensamentos e vontades próprias, uma questionando e censurando a outra, às quais, logo após, veio juntar-se uma terceira, sendo que tinha consciência da existência de todas as outras. Em meio a este caos, aproximei-me de uma esquina para atravessar a rua e me detive – senti medo de prosseguir, de ser atropelado por algum dos carros que passavam em velocidade, por não saber qual seria eu dentre os três e corria o risco de que atropelassem qualquer um deles.

Tomei um taxi que passava e fui para a casa da noiva, a quem expliquei o que estava acontecendo e resolvemos voltar para meu apartamento. Lá, deitado na cama e carinhosamente assistido por ela, senti como que em um sonho que estava crescendo, crescendo, não mais cabendo na cama, no próprio quarto, na sala, no apartamento, no prédio, na cidade e crescia ao ponto de me desvanecer e me fundir ao universo, integrando-me a ele, enquanto me debulhava em copiosas lágrimas.

Não sei durante quanto tempo divaguei até que retornasse à normalidade. Esta experiência registrei em uma das crônica que fiz à época, titulada como “A descoberta de si próprio” e com ela fui por diversas vezes laureado em concursos de que participei.

 
O pior desta experiência que foi tão marcante em minha vida, não obstante os ensinamentos que dele usufruí, foi que durante muitos e muitos anos o simples fato de rememorá-la ou relatá-la para alguém me reconduzia às mesmas sensações sentidas no passado, com todo o desespero por não saber quem exatamente sou neste mundo tão desencontrado, sentimento que passou a me integrar e que hoje ainda sinto, mesmo não “chapado” ou sob os efeitos de qualquer “manga rosa”...
LHMignone
Enviado por LHMignone em 07/03/2015
Reeditado em 07/03/2015
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