As Porteiras do Brás

AS PORTEIRAS DO BRÁS

(Carta a um amigo que está no céu)

Meu caro amigo Moreira.

Em uma das poucas viagens que costumo fazer para São Paulo, não sei por quê passei a rememorar os bons tempos em que tomávamos o Trem na Lapa até a Estação do Brás para ir trabalhar.

Na época, essa Estação era conhecida como Estação do Norte ou Estação Roosevelt e Central do Brasil. Era localizada de frente para o Largo da Concórdia, como ainda é até hoje.

Ali existiam duas porteiras que se fechavam toda a vez que o Trem ia passar fechando também a Av. Rangel Pestana causando uma espera às vezes, até de meia hora ou mais, devido às manobras e as passagens dos trens subúrbios. Na Avenida formava-se uma imensa fila de automóveis e ônibus nos dois lados da Avenida, bem como de carroças puxadas por cavalos e outras pelos seus próprios donos.

Era gente por todo o lado esperando abrir as porteiras, pois não havia outra maneira para atravessar a Avenida.

Lembra-se das vezes que saíamos à noite para ir ao Brás apenas para comer uma boa pizza na “Pizzaria Pizzaiolo”? Bons tempos que não voltam jamais. Uma vez perdemos o último trem para a Lapa e tivemos que pegar um ônibus até à cidade, depois a sorte nos ajudou e acabamos por pegar o último bonde para a Lapa. Também, naquela noite parecia que ia acabar o mundo... Não parávamos de comer pizza e tomar cerveja... Mais uma, mais uma... Naquela época havia apenas dois tipos de pizzas, “mussarela e aliche”, nós pedíamos uma de cada, lembra disso?

Hoje, não sei porque, me deu na cabeça em querer recordar os bons tempos de “Sampa”. Talvez seja pela grande diferença que há entre aquele tempo e o de hoje.

Ontem cheguei em S. Paulo, tomei o Trem na Barra Funda e saltei na Estação do Brás. Parei por alguns instantes encostado em um dos pilares da plataforma da Estação, para apreciar o vai e vem daquela gente que saia apressada dos vagões; era gente oriunda de toda parte da periferia. O que mais me chamou atenção foi a diferença entre a nossa época e a atual. No nosso tempo, o paulistano se vestia razoavelmente bem, principalmente no inverno, quando o nosso traje era paletó e gravata, cachecol no pescoço, e chapéu na cabeça. Era o traje típico do paulistano para se proteger da garoa e do frio, mas que frio fazia naquela época, até dá saudade. Lembro-me que ao chegar no escritório, os meus dedos congelados obrigava-me fazer uma fogueira de jornal para aquecê-los para então, iniciar o meu trabalho na máquina de escrever. Mas tudo isso era no tempo da garoa que já não existe mais. Hoje, no lugar da garoa só se vê muito lixo e sujeira nas ruas.

Mas o que vi ontem, chegou até me arrepiar. Havia gente de todo o tipo, sendo que na maior parte maltrapilha e mal encarada, provavelmente forasteiros oriundos de outros Estados do Brasil. Não que eu tenha preconceito dessa boa gente que ajudou construir Sampa, mas que chegou a me arrepiar de medo, chegou. Ufa! Logo pensei: “Esta cidade não é a mesma que eu conheci e que muito amava”.

De imediato tratei de sair dali, não me agradava ficar olhando aquela gente esquisita, cujo visual não era um bom colírio para os olhos.

Mas a minha maior surpresa foi ao chegar no lado de fora da Estação. Meu caro amigo... Tive que passar no meio de tanta gente, num empurra-empurra danado; daí, a minha pressão arterial, deve ter chegado a mil... Não sei se por medo ou por revolta.

Da Estação até ao Largo da Concórdia, só se via bancas de camelôs e gente por todo o lado. Olhando bem na cara dos camelôs e do pessoal que transitava por ali, não deixei de notar que a maior parte deles não era gente do nosso Estado. Atrevo-me até afirmar que ali não havia nenhum paulistano. Não é engraçado? No nosso tempo não existia isso, pouca gente de outros Estados vinha para São Paulo.

Gastei uns 15 minutos até conseguir passar pelo meio de toda aquela gente, para chegar no outro lado da Avenida.

Tanto nas bancas como no asfalto via-se tudo quanto é tipo de mercadoria, como facas, canivetes saca-rolha talheres, roupas de toda espécie espalhada pelo chão e gente vendendo tudo o que se possa imaginar, começando por vestuários, bugigangas de todo tipo e comestíveis para todo gosto; imagine você que até buchada de bode, farofa e jabá, se via por ali. Sem contar as baianas com grandes panelas nos fogareiros preparando acarajés, vatapás e outras comidas típicas. Se você gosta de comida nordestina, não precisa ir ao nordeste, ali mesmo você encontra tudo o que apetecer.

Tem outra coisa, nas bancas dos camelôs, além de toda essa parafernália, você pode fazer um “joguinho do bicho”, adquirir um bom “baseado”, ou aquele “pozinho branco”. Ah! Se você não fizer questão de ser assaltado, é ali mesmo o “quartel general”. No meio de toda aquela gente estão infiltrados bandidos, seqüestradores e fugitivos da justiça.

No geral, em São Paulo a gente tem que andar de bolsos vazios, sem bolsas e sem relógio no pulso. Já sabendo disso, quando vou para Sampa, só levo o dinheiro da passagem e para algum lanche em lugar bem oculto.

Para encurtar a estória, nem dentro de ônibus ou metrô, ninguém está livre de ser assaltado. Em qualquer lugar em que esteja é bom ficar sempre de olhos abertos, com o olhar para frente, para trás e para os lados, senão...

Quanta diferença ao comparar com São Paulo do nosso tempo...

Procurei então, terminar o mais rápido possível a minha obrigação para dar o fora sem querer ver mais nada, com a intenção firme de não voltar mais na querida São Paulo.

Foi por tudo isso meu amigo Moreira, que eu quis fazer este relato a você, embora decepcionante.

Ah! Quantas saudades eu tenho das velhas PORTEIRAS DO BRÁS.

Luiz Pádua
Enviado por Luiz Pádua em 06/06/2007
Reeditado em 06/06/2007
Código do texto: T516129