Fogos de artíficios
Era o ano de 1969, em uma cidadezinha do interior maranhense. O sol, como sempre castigava aquela região invadida pelos coqueiros. Coco babaçu, uma riqueza naquela época, pois se produzia o famoso óleo “do reino”. Naquelas paradas, por esse tempo, ninguém conhecia óleo de soja. Mas por que estamos falando de óleo de coco babaçu? A história tem outro mote.
Trata-se de uma aspa nas várias anedotas vividas por dona Páscoa. Dona Páscoa? Sim, Dona Páscoa, nascida Maria Micheline Alencar, mas apelidada bem cedo de páscoa por ter nascido, advinha em que dia? Um belo domingo de páscoa.
Páscoa era uma figura caricata do sertão nordestino. Nasceu cearense, mas migrou para o Maranhão logo que se casou com o senhor Cigaro. Este nascido Antonio Gonçalves Silva, apelidado de Cigaro ninguém sabe até hoje explicar o por quê.
Saíram do Ceará, região do Crato em meados de 1942, fugindo da seca que castigava o lugar e seguiram para região leste do Maranhão, terra que segundo informação e notícias de vizinhos que lá já haviam se instalado a tempos, “manava leite e mel”. O casal constatou logo que se não manava leite e mel, pelo menos, permitia agricultor o plantio com esperança e crença de se realizar uma boa colheita, pois era uma região com chuvas bem regulares.
A família chegou ao seu destino, comprou um sítio à distância de seis quilômetros da cidade e tratou de trabalhar duro na roça e na fábrica de filhos. Tiveram seis ao todo e adotaram mais um. Por questões do destino só quatro sobreviveram. Três meninas filhas legítimas e o menino adotado.
Meninas crescidas, hora de comprar uma casinha na cidade para que elas pudessem estudar e sonhar com um futuro mais promissor do que a lida na lavoura. Assim sonhava dona Páscoa. Queira que suas meninas fossem doutoras.
Nem sempre sonho de mãe é sonho de filho. Nem sempre sonho de mãe se realiza. As meninas ao ficarem mocinhas começaram a namorar e dona Páscoa muito preocupada com o desfecho dos namoros e com as escolhas das filhas não ficava tão satisfeita, inclusive sendo bem direta e firme ao demonstrar seu aborrecimento e contrariedade. Para as moças, a mãe era muito brava e incompreensiva, até rude demais.
Sem entrar no mérito de quem não compreendia quem, o fato é que a mais velha enamorada de um certo rapaz, decidiu que deveria se casar. Contra a vontade, dona Páscoa acabou aceitando, pois viu que não tinha mais jeito, então abençoou o casal de namorados e seguiram para o altar. A moça parou com os estudos e foi brincar de dona de casa. Adeus doutora Antonieta.
O ano já era 1.969 e o jovem casal recém enlaçados, já com uma filha e visando melhorar a sua vida, planejou sair daquela cidade pequena e pacata a fim de aventurar-se em uma cidade maior. Foram embora então para a segunda maior cidade do Maranhão depois da capital.
Dona Páscoa ficou para trás. Triste como qualquer mãe quando um filho vai morar longe, começou a pedir constantemente ao marido para irem embora para a mesma cidade em que a filha mais velha foi morar com o marido.
O Senhor Cigaro também sentia saudades da filha e, não demorou muito, concordou com a mulher. Tudo decidido, trataram de por o sítio, a pequena criação de gado e bode e também a casa da cidade a venda, para em seguida providenciar uma moradia na nova cidade. Logo apareceu comprador para o pequeno patrimônio familiar. Venderam tudo e na sequência o Senhor Cigaro viajou com o objetivo de encontrar e preparar a nova moradia da família na cidade destino.
A família era só felicidade. Iriam finalmente morar todos juntos de novo. Ou quase todos, por que a filha mais nova também já havia casado no ano anterior. Mas essa é uma outra história que merece ser contada a parte pelas situações hilárias ocorridas com o fato.
Voltando ao enredo, o senhor Cigaro retornou de sua viagem e comunicou à família que tudo estava de acordo para a mudança. A casa nova fora comprada e, portanto, bastava arrumar as malas e partir. Dona Páscoa não perdeu tempo e providenciou toda a logística de transporte da família no lombo de animais de carga, arrumou a pequena bagagem e tudo certo. De tão feliz com a mudança decidiu também comprar duas caixas de foguetes com doze unidades cada uma para soltar no dia da tão esperada partida. Disse que soltaria de dois em dois. Dois no momento da saída da casa e a partir daí de dois em dois a cada cem metros. Era como uma espécie de promessa. Uma forma de agradecer a bênção alcançada, o sonho realizado.
Ocorre que no meio da vizinhança havia uma senhora chamada dona Fuxica, apelido por ela desconhecido, dado pelo fato desta mulher ser muito fofoqueira e criadora de caso. Também havia um tal de Senhor José do Riacho, apelidado assim por que o sujeito se achava dono do pequeno córrego que cruzava várias propriedades, se considerando no direito de implicar com todos os animais dos vizinhos, pequenos proprietários como ele, quando estes iam beber água no riacho fosse em que parte fosse. Como Dona Páscoa não aceitava a postura do indivíduo e demonstrou isso várias vezes diretamente com ele, acabou criando um desafeto.
A tal fuxiqueira sabendo que Dona Páscoa tinha um antigo atrito com o Senhor João do Riacho, ao ouvir da própria sobre a ideia de comemorar a partida com um foguetório, inventou e espalhou que o motivo da comemoração era, na verdade, pelo fato de estar indo para longe do tal vizinho. Segundo a história contada por Dona Fuxica para o Senhor João do Riacho, Dona Páscoa havia dito que estava tão feliz, mas tão feliz mesmo de não ter mais que olhar na cara do cidadão encrenqueiro que iria soltar mais de vinte fogos no dia em que fosse definitivamente embora daquele lugarejo.
O Senhor João do Riacho, ouvindo o relato de Dona Fuxica, se indignou com tudo e decidiu que compraria o dobro de foguetes e soltaria todos no dia em que Dona Páscoa fosse embora e assim o fez.
A inocente Dona Páscoa, no dia da saída cumpriu o prometido. Enquanto os animais seguiam carregando as malas e o casal acompanhado dos filhos andavam a pé do sítio até a rodoviária da pequena cidade, soltou dois fogos de artifício logo na saída. Para sua curiosa surpresa ouviu do lado, no vizinho, o barulho de quatro fogos seguidamente. Andou mais um pouco e soltou mais dois fogos. Novamente ouviu na sequência o estampido de mais quatro fogos tinindo em seus ouvidos. E assim se seguiu o cortejo da partida da família Alencar e Silva. Dona Páscoa disparou vinte e quatro foguetes e ouviu o estouro de quarenta e oito sendo estourados a seguir.
A entusiasmada família foi embora sem entender patavina do que estava acontecendo. Não tinha tempo pra isso, estavam muito felizes e até pensarem que os seus amigos estavam compartilhando e comemorando juntos a alegria que sentiam neste dia tão exultante. Somente alguns anos depois, um antigo e querido vizinho visitou a família na nova cidade e lhes contou o significado do foguetório no dia da alegre partida daquela singular família de nordestinos. A gargalhada foi geral e a história virou folclore particular naquele lugar.