Uma bomba
                    dentro de mim





          1. Carrego dentro de mim uma bomba! Uma bomba, somente uma bomba. Caso ela venha a explodir, tô sabendo, terei que enfrentar sérios transtornos; e até chegar mais cedo a um desses Jardins da Saudade!
          2. Vez em quando, vou ao doutor. E ele, a partir de uma demorada ultrassonografia, vai me dizendo - nem sempre entendo - como essa bomba está se comportando lá por dentro.
          3. Mostro a ultrassonografia aos meus médicos e ouço deles esta aterrorizante advertência: "Você deve desativar essa bomba antes que ela exploda e te obrigue a evitar maiores estragos, através de uma cirurgia de urgência."
          4. E, solícitos, me aconselham: "Não coma isso, não coma aquilo; não beba isso, não beba aquilo." Proíbem tudo o que é "fritura". Ora, logo eu que nasci e me criei comendo ovos fritos no toucinho de porco ou na manteiga de garrafa.
          5. Aqui pra nós: o diabo é que esqueço esses conselhos, numa desmedida e sínica desobediência, mal deixo o consultório dos criteriosos e competentes esculápios (arre!) que me assistem.
          6. Essa bomba, dileto leitor, não é nada mais nada menos do que uma (somente uma) enorme pedra que achou de se hospedar na minha estimada vesícula, agora, visivelmente machucada, após tantos anos de sofrimento.
          7. Vez por outra, essa maldita pedra  - "Cálculo móvel medindo 1,8 cm, em região fúndia", diz o laudo - me fustiga, obrigando-me a recorrer aos analgésicos de composição violenta. Pois, só assim me vejo aliviado das lancinantes cólicas biliares que me perseguem há século...
          8. E não adianta me dizerem, que, hoje, com a cirurgia por laparoscopia, a remoção da vesícula biliar (colecistectomia, qui nome!) é coisa simples: dois furinhos na barriga; 24 horas de internamento; e o cidadão estará definitivamente livre dos malditos cálculos, também chamados - pasmem! - de cristais.
          9. Apesar do reconhecido avanço da medicina, agora mais do que nunca capaz de extirpar rapidamente pedras na vesícula, ainda assim, resisto à cirurgia e por dois motivos, que até podem parecer covardes: detesto hospitais e tenho um medo danado de morrer na mesa de cirurgia.
          10. Nas minhas torturantes noites de reflexão sobre se devo ou não submeter-me a uma colecistectomia (!), quase sempre chego à conclusão, talvez imbecil, de que não se morre somente do mal, da doença de que padecemos e por isso procuramos os nosocômios.
          11. O escritor e cronista Zuenir Ventura, no seu livro Inveja - Mal Secreto, recorda que, certa ocasião, ouvira de Ana Lontra Jobim comentários sobre o diálogo que o imortal Tom, seu marido, travara, pouco antes de morrer, com seu médico, no hospital em que estava internado. Transcrevo-o, sem tirar nem pôr.
- "O problema, doutor, é que a gente vem tratar de uma coisa e acaba morrendo de outra."
- "O que, por exemplo?"
- "De infecção hospitalar, por exemplo", respondeu Tom.
O médico achou graça e disse em inglês: - "It´s possible. Mas pode ficar tranquilo que você não vai morrer."

          12. Vejam, agora, a coincidência lembrada por Zuenir, no mesmo texto: "O compositor tivera um câncer na bexiga de grau III, foi operado e logo em seguida morreu de acidente coronário."
          13. Li isso e disse baixinho no ouvido do vento que no momento soprava forte: eu, hein? Me deixem, por favor, com minha bombinha guardada na minha impaciente vesícula. E que ninguém nos ouça: deixo com Deus a decisão de explodi-la quando bem Lhe aprouver. E podem me chamar de covarde.

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 05/03/2015
Reeditado em 22/10/2019
Código do texto: T5159278
Classificação de conteúdo: seguro